Dólar subiu a patamares históricos em 2020; alta da moeda é boa para o Brasil?

Em um momento em que país perde capital estrangeiro, dólar acima de R$ 5 pode ajudar nas exportações e nas contas externas

O ministro da Economia, Paulo Guedes, já deu algumas dicas ao longo de seus 17 meses de gestão de que o governo deixaria o dólar subir frente ao real e de que um dólar mais caro seria bom para o Brasil. O entendimento tácito é de que a moeda estrangeira mais cara é o efeito colateral de um benefício maior: a queda estrutural dos juros do país. 

O mercado captou rápido os sinais e a cotação vinha, de fato, testando gradativamente novas máximas desde o início do ano passado. O pânico global causado pela pandemia do coronavírus, porém, no mínimo acelerou os planos. Em fevereiro, o dólar era negociado na faixa dos R$ 4,30, em março passou dos R$ 5 e, em maio, chegou a flertar com os R$ 6. Só neste ano, a alta acumulada já é de 35%. 

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Mas, afinal, o dólar (tão) mais alto é de fato bom para o Brasil? O CNN Business conversou com alguns economistas especializados em câmbio e comércio exterior para responder a essa pergunta. O fato é que, como tudo na economia, o dólar alto traz perdas de um lado e ganhos do outro, e a questão está em como as políticas equilibram essa balança.

Perda do poder de compra

Do lado das perdas, está o fato de que dólar alto encarece muita coisa para o país – não só desejos simbólicos como smartphones importados ou viagens para a Disney, mas itens amplos e essenciais como equipamentos para a indústria ou comida e combustível para as pessoas. “A soja ou a carne que poderiam ser vendidas aqui começam a ser exportadas para mercados que pagam mais”, explica o coordenador do Centro de Macroeconomia Aplicada da Fundação Getulio Vargas (Cemap/FGV), Emerson Marçal. 

Além disso, dólar subindo por si não é uma boa notícia: a taxa de câmbio nada mais é do que um termômetro da procura do mundo pela moeda daquele país, e se ela está perdendo valor é sinal de que o país também está valendo menos. 

Por outro lado, os benefícios, na visão de muitos, podem ser providenciais no momento. Com uma indústria já enfraquecida há anos, dólar caro e real barato dão uma força significativa às exportações, que devem ser um dos últimos motores que sobrarão neste ano puxando o PIB para cima. É também o impulso que faltava para ajudar a botar as contas externas do país, que vinham em uma rota de déficit alto, mais próximas dos eixos.

“Já tivemos uma moeda forte nos anos Lula e Dilma, mas o que se percebe é que, ao longo do tempo, isso não condiz com a nossa produtividade”, disse o presidente da Sociedade Brasileira de Estudos de Empresas Transnacionais e da Globalização Econômica (Sobeet), Luis Afonso Lima. “A moeda depreciada ajusta o setor externo, aumenta o investimento estrangeiro e a produtividade vem a reboque; faz mais sentido para um país em desenvolvimento como o Brasil.” O dólar custou menos de R$ 2 de 2007 até 2012, alimentado pela fartura do “boom” das commodities.

Pesa, ainda, a favor do dólar caro o fato de que um de seus principais problemas está completamente excluído do radar por ora: inflação. Disparadas no câmbio são historicamente um fator de pressão nos preços, já que vários produtos, serviços e matérias-primas que as pessoas e indústrias usam vêm de fora. Isso costuma ser o grande desafio para o governo e o Banco Central na condução de suas políticas de câmbio e juros. Mas, com o consumo paralisado, ninguém está reajustando preços, e o país está até tendo deflação.

Contas externas mais perto do azul

Ninguém arrisca uma projeção segura para a taxa de câmbio em um futuro próximo – “mas para o R$ 4 não volta”, arrisca Lima, da Sobeet. O grande benefício imediato da cotação em algum lugar entre R$ 5 e R$ 6, no contexto atual, está no empurrão que dá para colocar em dia as contas externas do país, que são o fluxo de tudo o que sai e que entra de dinheiro estrangeiro na economia doméstica. 

É um quesito em que o Brasil fica historicamente no vermelho e cujo rombo vinha crescendo: em 2019, o país fechou suas transações correntes com um déficit de R$ 50 bilhões e, para 2020, a expectativa pré-pandemia era de que esse buraco aumentasse para R$ 54 bilhões, pels projeções de mercado do começo de janeiro, medidas pelo Boletim Focus, do Banco Central. 

As transações correntes são a conta das receitas e gastos em dólar do país com a balança comercial (exportações e importações), serviços (como turismo) e remessas de renda (como pagamentos de salários, juros e lucros). O Brasil ainda consegue ficar no azul nas exportações, mas o saldo não é suficiente para cobrir o rombo dos outros dois quesitos, tradicionalmente deficitários. 

Agora, com recessão e o câmbio caro, gastos no exterior como viagens e importações devem despencar, o que abre um alívio nessa conta corrente – só em abril, o saldo das exportações sobre as importações já cresceu 18% na comparação com o mesmo mês do ano passado. 

Com isso, as expectativas para o setor externo até o fim do ano já estão sendo recalculadas, e para melhor: os analistas agora falam em déficit externo de US$ 38 bilhões, em vez dos R$ 54 bilhões inicialmente previstos. “O déficit que poderia ser de 4% do PIB deve ficar em torno de 2,7%”, disse Lima, da Sobeet. 

Financiamento e dívida

Ficar no vermelho nessa parte das contas com o resto do mundo não é necessariamente ruim, porque traz bens e serviços para o país. O problema é que, quanto maior for o rombo, maior o financiamento externo que o país precisará de outras fontes. Ele pode vir, por exemplo, via capital especulativo, que entra para aplicações financeiras como títulos e bolsa de valores, ou pelos investimentos diretos, que são a abertura ou expansão de negócios locais por empresas estrangeiras. 

Se os dólares trazidos por essas duas frentes, ainda assim, não forem o suficiente para pagar a conta das demais, o país começa a ter que se endividar para cobrir a diferença, e a dívida pública cresce. A má notícia: o capital financeiro está vazando aos bilhões do Brasil e os investimentos diretos também devem despencar com a aguda recessão global que se desenha. Nessa fuga generalizada de capitais, a contrapartida de um real extremamente barato faz ainda mais sentido – ela é ao mesmo tempo a grande consequência e parte da solução. 

“Bom não é; bom seria o mercado de câmbio estar calmo”, disse Marçal, da FGV. Ele menciona o fato de que, mais do que o dólar estar alto ou baixo, o importante para que empresas, investidores e viajantes não paralisem seus planos é que as mudanças sejam suaves e gradativas, e não bruscas como a esticada dos últimos meses. “A melhora na balança comercial ajuda e pode dar um suporte para o PIB, mas será muito pequeno, não é isso que vai salvar a crise.”

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