Brasil é o único no mundo a discutir PEC em meio à pandemia de coronavírus
Confira a análise de Thaís Herédia sobre a morosidade do governo federal em organizar os gastos durante a crise causada pelo avanço do coronavírus


O mundo joga trilhões de dinheiros pelos helicópteros para alcançar as pessoas que já sentem os efeitos da parada brusca da atividade econômica onde o coronavírus chegou e faz suas vítimas. E o Brasil? O Brasil discute como mudar a Constituição para liberar o governo federal a gastar e salvar brasileiros desassistidos. Cada dia que o Congresso Nacional e o poder Executivo não se entendem, o que tem sido praticamente diário, é um a menos que os milhões de trabalhadores ficam sem renda para enfrentar as quarentenas decretadas em muitos estados.
“O Brasil é o único lugar do mundo que está discutindo PEC no meio dessa crise! O orçamento de guerra pode ajudar muito porque desvincula os recursos do orçamento, dá acesso à Conta Única, libera a limitação da Regra de Ouro. Esse assembleísmo faz parte da cultura brasileira, mas é preciso mais objetividade”, disse à coluna o economista Manoel Pires, economista, ex-Secretário de Política Econômica no governo Temer.
O debate em torno do orçamento de guerra deveria estar focado na forma mais ágil, legal, transparente e eficaz de fazer o recurso chegar rapidamente ao bolso dos quase 40 milhões de trabalhadores informais, para ficar só nesta frente da batalha. A separação das contas para lidar com a pandemia do novo coronavírus já está na pauta do parlamento há mais de uma semana. E, até agora, nada.
A minuta da PEC que deve ir à votação prevê instrumentos imprescindíveis para os governo poder contratar médicos, transferir recursos para estados e municípios, destinar dinheiro aos trabalhadores, tirar valores já vinculados a outros setores, como educação, e mandar para a saúde, por exemplo. Há dois pontos relevantes que soam mais técnicos, mas que farão uma enorme diferença: suspender a Regra de Ouro e liberar acesso à Conta Única, que hoje tem saldo de pouco mais de R$ 1,3 trilhão.
O maior imbroglio é, para variar, político. Quem vai mandar em quem? Para tentar aparar arestas, resolveram criar um Comitê de Gestão da Crise com cadeiras para todos os poderes e adjacentes. Será um amontoado de autoridades que precisam estar alinhadas e preparadas para acelerar as decisões prioritárias. Será?
“Aquilo que é o prioritário, que é agilizar a transferência da renda, fica preso neste culto federativo, num ambiente que todo mundo está brigando. O governo federal tem maioria no comitê, mas está clara a diluição de poder Executivo. Não está claro como será a tomada da decisão. Maioria simples? Quem assina o que o orçamento determinar? Imagine se decidirem que vão precisar de um projeto de lei para regulamentar a PEC? Vai levar ainda mais tempo”, alerta o economista.
O Brasil gasta muito, todos já sabem. Mas é muito difícil gastar dinheiro público no país, especialmente para fazer o que é prioritário. Tudo está na Constituição. Agora, no meio da crise mais aguda que o país enfrentará, o governo federal está completamente amarrado para socorrer as dezenas de milhões de brasileiros que já estão sendo atingidos pela onda do contágio, perdendo renda e empregos.
Há mais de 10 dias, o ministro da Economia, Paulo Guedes, falou a primeira vez sobre um voucher de R$ 200 para trabalhadores autônomos. Só nesta segunda-feira (30) o Congresso aprovou o benefício que subiu para R$ 600, uma melhora importante. Quanto tempo vai levar para o dinheiro atravessar os labirintos da burocracia brasileira? Quantos bloqueios políticos ainda vão aparecer para atrasar a assistência às famílias? Perguntas sem respostas, assim como aquela que pede uma vacina contra o novo coronavírus.