Pequenas cidades da Serra Gaúcha terão dificuldade para retomada da economia

Segundo estudo feito pela empresa Mapfry, cidades do sul e sudeste são maioria no grupo de municípios que devem ter uma retomada econômica mais lenta

O pequeno município de Picada Café, na Serra Gaúcha, possui cerca de 5,5 mil habitantes e abriga duas grandes fábricas de calçados. Na cidade vizinha, outra empresa calçadista também garante o emprego da população que vive na região. Com a pandemia, o comércio fechou e os pedidos do varejo desapareceram. Num piscar de olhos, as indústrias, que respondem por 70% do PIB municipal, precisaram fechar as portas temporariamente e encerraram, ao todo, 500 postos de trabalho.

O estoquista João Roberto foi demitido em abril da fábrica onde trabalhou por quase 18 anos, sob o pretexto do corte de gastos provocado pela crise atual. Ele mora em Picada Café com a esposa, que teve salário e jornada de trabalho reduzidos, e com os dois filhos menores de idade. Os gastos agora são apenas com as necessidades básicas, garante o desempregado.

“Quando nós fizemos os desligamentos, nós reforçamos a cada um dos colaboradores que essas demissões não eram por interesse da empresa, porque nós queríamos, mas realmente por uma redução de demanda de curto prazo”, explica Rodaika Diel, diretora da Sugar Shoes, instalada há mais de 20 anos em Picada Café.

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A sede do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Calçados e Vestuário de Picada Café e Nova Petrópolis hoje é um dos poucos ambientes que ganharam movimento durante a pandemia. O presidente da entidade, João Ricardo Schaab, lamenta o prejuízo: “Nós dependemos muito do mercado. Se tem consumo, vai ter produção. Infelizmente já perdemos algumas datas importantes para o nosso setor, como o Dia das Mães e, agora, o Dia dos Namorados”.

O setor calçadista não é o único que vai mal na Serra Gaúcha. Os turistas desapareceram, as feiras gastronômicas estão suspensas e o parque da cidade, que atraía visitantes, também não pode funcionar para evitar aglomerações. Os restaurantes locais são conhecidos por servir o tradicional café colonial aos viajantes que passam por Picada Café a caminho da cidade de Gramado. Para reabrir o restaurante, o empresário Marco Arnold precisou espaçar as mesas, o que reduziu sua capacidade de atendimento pela metade. A modalidade self-service foi substituída pelo à la carte. “Trabalhávamos com cerca de 120 produtos, que a gente tinha no buffet. Hoje, nós estamos servindo nas mesas uma variedade de 40 produtos”, conta Arnold.

Da indústria ao turismo, as receitas das famílias e a arrecadação das empresas despencou na Serra Gaúcha. Em Picada Café, a prefeitura já prevê medidas de austeridade para conter a crise em médio prazo, quando esperam lidar com uma queda na receita de impostos gerados por essas atividades econômicos. “Vamos ter de reavaliar todos os cargos existentes no município para então ver o que a gente pode enxugar na máquina pública”, informou o prefeito Daniel Rückert.

Cidades do sul e sudeste são maioria no grupo de municípios que devem ter uma retomada econômica mais lenta. É o que mostra um estudo de geomarketing realizado pela empresa Mapfry. Os pesquisadores levaram em consideração características demográficas, índices econômicos e a estrutura da rede pública de saúde em todas as cidades brasileiras. O estudo resultou em um ranking no qual todos os municípios brasileiros foram organizados de acordo com a sua propensão de recuperação. No topo estão as grandes cidades, como São Paulo e Rio de Janeiro.

No fim da lista, com nota zero, estão 17 cidades que acumulam características que dificultam a retomada. Deste total, 13 cidades estão no sul e no sudeste do país. Destacam-se negativamente as cidades da serra gaúcha, situadas na microrregião de Gramado-Canela: Picada Café, Lindolfo Collor, Presidente Lucena e Tupandi.

“O grande prejuízo está nas cidades que disputavam uma atividade própria, que vinham crescendo a partir de seus próprios méritos. Talvez aí haja a surpresa da presença do Rio Grande do Sul neste ranking, pois possui cidades pequenas, mas que preservam atividade econômica própria, enquanto outras cidades mais ao norte do Brasil vivem uma situação de dependência de repasses, assistência social”, conclui o fundador da Mapfry, João Caetano.

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