Uma ação pode chegar a R$ 0? Veja o que acontece quando o preço cai demais
São as chamadas penny stocks - papéis que valem menos de R$ 1 - e há uma série de reestruturações por que elas passam antes de a cotação zerar


O choque do coronavírus nos mercados fez a bolsa de valores brasileira ter um dos piores meses de sua história em março e castigou as ações de muitas empresas. Algumas chegaram a ter quedas superiores a 60%, caso da Gol, da Azul e da CVC Brasil.
Mas qual é o limite dessas quedas? Uma ação pode simplesmente continuar caindo até chegar a R$ 0?
A resposta curta para essa pergunta é: sim. Não há nada que limite o valor mínimo de uma ação a não ser o próprio piso matemático do zero, e tanto a empresa (que terá o valor de mercado destroçado) quanto os investidores (que ficam com o prejuízo na mão) são quem arca com as consequências.
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Na prática, entretanto, o mais comum é que muitas coisas aconteçam antes de o valor de fato chegar no R$ 0 ou próximo dele. São empresas, na esmagadora maioria das vezes, que passam por uma recuperação judicial ou uma grande crise, e se reformulam ou reestruturam. As donas podem também agrupar as ações muito baratas em uma só de valor mais alto ou podem, ainda, comprar de volta os papéis listados na bolsa e fechar o capital.
Oi e Eike Batista
Há até um nome para elas: são as “penny stocks”, ou as ações que valem centavos e que ficaram famosas com o filme “O Lobo de Wall Street” (2013), sobre Jordan Belfort, o investidor que ficou milionário especulando minúsculas desconhecidas nos anos 90. Pelo padrão da B3, a dona da bolsa de valores brasileira, as penny stocks são aquelas que valem menos de R$ 1.
No Brasil já houve alguns casos emblemáticos. A antes queridinha do mercado OGX, empresa de petróleo e gás do grupo EBX, de Eike Batista, saiu de uma cotação superior a R$ 20, em seu auge em 2010, para a casa dos R$ 0,10 em 2013, depois que a companhia comunicou que não tinha como extrair petróleo de seus poços.
Entre o pico (R$ 23,28, em 2010) e o piso, a queda foi de mais de 99%. A companhia entrou em recuperação judicial, negociou com credores, mudou de OGX para OGPar e depois de OGPar para Dommo Energia. A Dommo, por sua vez, segue listada na bolsa e teve, oficialmente, o pior desempenho do primeiro trimestre entre todas as 354 ações listadas na B3: caiu 79,5% nos três primeiros meses de 2020, de acordo com dados da consultoria Economatica.
No fechamento de quinta-feira (16), uma ação da Dommo valia R$ 1,21 – e isso porque, em maio do ano passado, a companhia já havia feito uma fusão de suas ações. Cotadas então a R$ 0,60, elas foram reunidas em grupos de 10, passando a valer R$ 6. Ou seja, se não fosse por isso, elas valeriam hoje R$ 0,12 – um décimo do valor do último fechamento.
Outro caso clássico é da também “ex-gigante” Oi, que está há quatro anos renegociando suas dívidas bilionárias em um dos maiores processos de recuperação judicial já realizados no país. As ações ordinárias da operadora (OIBR3) valiam R$ 0,64 na quinta, depois de atingiram sua mínima histórica de R$ 0,43 em 19 de março e já virem desde agosto do ano passado oscilando entre pouco mais ou pouco menos de R$ 1.
B3 tem regra para penny stocks
Um dos grandes problemas das penny stocks é que, como o valor delas é muito baixinho, qualquer 1 centavo que oscilem já é uma variação enorme. Isso as torna muito voláteis e arriscadas.
Se a ação da Petrobras, por exemplo, que fechou o ultimo pregão valendo R$ 15,71, cai R$ 0,10 em um dia, o investidor terá uma queda na sua carteira de 0,6% com ela. Já se são as ações da Oi, a R$ 0,64, que perdem R$ 0,10, a queda no investimento é de 15,6%.
É por isso que a B3 criou em 2015 uma regra específica para elas: o papel não pode passar mais de 30 pregões seguidos cotado abaixo de R$ 1, e a companhia deve fazer um agrupamento de pelo menos 10 ações em uma. “Caso haja o descumprimento, a empresa será notificada pela B3 para tomar as medidas cabíveis para enquadrar a cotação acima de R$ 1, em até 6 meses ou até a data da próxima assembleia geral de acionistas, o que ocorrer primeiro”, explica a diretora de emissores da B3, Flavia Mouta.
Se a companhia não tomar as medidas dentro desse prazo, a B3 suspende suas negociações por 30 dias. Se a regularização continuar não sendo feita, a B3 exclui a companhia da Bolsa. Isso, de acordo com Mouta, nunca aconteceu.
Com a bagunça que o coronavírus fez nos mercados em março, a B3 anunciou no início de abril a suspensão dessas regras até que o país saia do estado de calamidade pública, declarado em março – foi o que deu mais tempo à Oi, por exemplo, que já está continuamente abaixo do R$ 1 desde 5 de março. Quando isso acontecer, as penny stocks irregulares ganham o novo prazo de seis meses para se adequar.
O agrupamento é só uma maneira de mudar a dinâmica no ritmo de negociações daquele papel, que terá oscilações menos bruscas, mas não muda nada para a empresa. O valor de mercado dela – que é o total de ações listadas multiplicado por quanto cada uma vale – continua o mesmo. Ela só terá uma quantidade menor de ações com um valor unitário maior.
A empresa acaba se a ação zerar?
Se acontecesse de fato de uma ação de uma empresa cair 100% e chegar a R$ 0, esta seria apenas a sua precificação no mercado, que pode ser tão fictícia quanto o preço disparar e chegar a R$ 1.000. A companhia segue existindo e tocando seus negócios normalmente – é que, como quase sempre são empresas em graves apuros, o comum é que a operação esteja problemática também.
Uma alternativa seria a empresa fechar o capital e deixar de existir na bolsa, enquanto segue se reestruturando da falência no mundo real. Isso, entretanto, não é o que acontece: “É necessário fazer uma OPA [Oferta Pública de Aquisição], ter aprovação de dois terços dos acionistas e, claro, uma empresa em recuperação judicial tem sérios problemas de caixa e não vai ter o dinheiro necessário para fazer isso”, diz o chefe de renda variável da Eleven Research, Carlos Daltoso.
A OPA é o oposto do IPO, a oferta inicial de ações (na sigla em inglês) feita pelas empresas quando querem entrar na bolsa. A OPA é o processo de fechamento de capital, e ele deve ser feito pela recompra de todas ações listadas pelo controlador, em um preço acordado e aprovado pelos acionistas em assembleia.