Varejo se recupera rápido e serviços patinam: agora falta controlar a pandemia

Mais ligado a renda, comércio já está vendendo 1,7% mais que no ano passado, enquanto serviços, dependentes de mobilidade, estão 12% menores

Um pouco de tudo do que poderia ser feito para puxar a economia do fundo do poço em que desabou com a chegada do coronavírus no Brasil, no fim de fevereiro, foi feito. 

Para amortecer a perda brutal de trabalho, o governo injetou centenas de bilhões de reais em ajudas como a do auxílio emergencial de R$ 600. De junho em diante, diversos estados deram início a uma abertura gradual de seus comércios e serviços que tinham ficado com as portas completamente baixadas até então. 

Os efeitos apareceram logo nos números, que, depois do pior abril da história, começaram a melhorar bastante mês a mês. 

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O futuro dessa recuperação, porém, já é bastante incerto – em especial depois na notícia de que o governo desistiu de fazer o Renda Brasil, programa de renda que deveria substituir o auxílio emergencial e o Bolsa Família a partir do ano que vem. Além disso, a retomada acontece de maneira bastante desigual. 

Atividades que dependem basicamente de renda e crédito escalaram o poço rapidamente. É o caso de boa parte do varejo, que em julho praticamente retomou os níveis de fevereiro, pré-pandemia, ajudado em grande parte justamente pelo dinheiro extra do auxílio. 

Muitos comércios estão até com vendas maiores hoje do que tinham antes. É o caso não só de supermercados e farmácias, mas também de lojas de construção, móveis e eletrodomésticos, que tiveram vendas até 30% maiores em julho deste ano do que em julho do ano passado, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).  

Já as atividades que dependem também da circulação e da presença das pessoas estão ficando para trás, mesmo com boa parte da circulação já reaberta. É o caso da grande maioria dos serviços, grupo em que entram de hotéis, lavanderias e táxis a agências de publicidade e serviços de frete.

Muitos deles ainda permanecem fechados, caso de escolas, teatros, cinemas ou buffets de festas. Outros já estão abrindo ou nunca deixaram de funcionar – restaurantes, cabeleireiros, academias, locadoras de veículos, viagens aéreas… Mesmo assim, custam a atrair gente. 

Com esse retalho de situações, os serviços estão saindo do buraco em uma velocidade muito menor que o resto, e seguem bem longe dos níveis de antes da pandemia. A má notícia é que são eles os maiores empregadores e a maior parte do PIB do país, o que significa que, se os serviços emperram, a economia toda emperra junto. 

“Há uma cautela do consumidor com a pandemia”, disse o economista do banco BV Carlos Lopes. “Mesmo que esses lugares possam estar abertos não se vê um fluxo grande de pessoas. O Brasil ainda vive um número elevado de casos [de coronavírus], e essa cautela do consumidor só vai diminuir significativamente no momento em que ele se sentir seguro. Não significa necessariamente ter um vacina, mas chegar a níveis de contágio que transmitam mais segurança.” 

O Brasil é atualmente o terceiro país do mundo com o maior número de casos de coronavírus (4,3 milhões) e o segundo em número de mortes (132 mil), embora seja o sexto maior em população. Depois de três meses persistentes de casos em alta em junho, julho e agosto, a epidemia começou a dar os primeiros sinais de desaceleração em setembro.

Em julho, dados mais recentes do IBGE, o varejo cresceu 7% ante maio, enquanto serviços subiram apenas 2,6%. Em relação a julho do ano passado, o comércio já está vendendo 1,7% mais, enquanto os serviços ainda operam em um nível 12% menor. 

Apenas o essencial

Horários ainda restritos de abertura e a queda violenta do emprego e da renda também completam o quadro que está descolando os serviços do resto. “O comércio está muito mais ligado a setores essenciais do dia a dia, como supermercados e farmácias, enquanto os serviços são mais supérfluos, de segunda necessidade”, diz o consultor econômico  da FecomercioSP, Guilherme Dietze. Isso significa que, se o orçamento aperta, serão eles os primeiros a serem cortados.

A FecomercioSP estima que, dos R$ 200 bilhões de auxílio emergencial que já foram pagos às famílias de baixa renda, ao menos R$ 160 bilhões foram diretamente para o comércio, em compras bem básicas como comida e utensílios para a casa.

Mas, se fosse só um problema puramente de renda, as pessoas não estariam reformando a casa e comprando tanto computador e geladeira como mostram os números do varejo. Os dados da economia até apontam que, na média, o brasileiro está poupando mais nessa crise, quer dizer, está sobrando dinheiro no fim do mês.
 
“Não é só uma questão econômica”, disse Dietze. “Enquanto não houver um controle maior do coronavírus, vamos ver a economia andando de lado, com uma recuperação lenta e gradual.”

Abertos e vazios

Os números das estatísticas aparecem no dia a dia de muitos empreendedores. “Muitos estão optando por não abrir,  porque abrir e ter 20% da receita não justifica o esforço, não paga as despesas”, conta José Domingo Bouzon, vice-presidente do Hotéis Rio, sindicato que reúne da hotelaria da capital carioca.

No balanço do sindicato, dos 230 hotéis da cidade, chegaram a 90 os que optaram por ficar fechados nos piores momentos – incluindo o icônico Copacana Palace, que fechou temporariamente em abril. Hoje, cerca de 50 ainda não abriram. Os hotéis nunca foram obrigados a fechar na agenda de “lockdown” da cidade.

Ainda assim, a ocupação dos que seguem abertos, diz Bouzon, custa a passar dos 10% ou 20%. No feriado de 7 de setembro – primeiro grande teste nacional de um país com a circulação já quase toda liberada – cerca de 45% dos quartos da cidade foram reservados. “A média de setembro do ano passado era 74%”, disse.

No setor de bares e restaurantes, há situação parecida, em especial nas localidades onde os horários de abertura ainda estão muito reduzidos – caso de Belo Horizonte, que ainda só permite o funcionamento aos finais de semanas, ou de cidades do interior de São Paulo, onde só pode abrir no almoço. 

“Quando abre, tem que ligar o freezer, comprar os insumos, pagar o transporte dos funcionários, o dono do imóvel volta a querer cobrar o aluguel cheio”, conta o presidente da associação Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel), Paulo Solmucci. “Para alguns, sai mais caro do que ficar fechado.”

As conversas de Solmucci com as centenas de associados também indicam comportamentos diferentes entre as classes sociais: estabelecimentos que estão nas periferias, atendendo as classes C, D e E, estão retomando parte do movimento com mais facilidade do que os próximos às classes de renda maior. 

“As classes A e B estão com mais medo”, disse Solmucci. Estão também mais protegidas – em emprego e saúde – pela possiblidade de poder fazer seu trabalho de casa. “Tem lanchonete em bairro popular que está faturando 60% do que faturava antes; em bairro chique, chega a 20% ou 30%.”

Poder voltar a receber clientes, depois de semanas ou até meses com salão fechado e receita virtualmente zero, foi sem dúvida um alívio para muitos dos grandes e pequenos empresários donos desses estabelecimentos. “Cerca de 30% [dos bares e restaurantes] já quebraram e muitos ainda vão fechar até o fim do ano”, disse Solmucci. 

“O movimento melhorou, com as pessoas saindo mais”, disse Bouzon, do Hotéis Rio. “Mas é uma recuperação muito lenta, e, quanto mais demorar essa recuperação, pior vai ser.”

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