Kamala Harris enfrenta desafios únicos no debate de vices
Internação de Trump por Covid-19 e idade avançada dos dois candidatos à presidência mostrou a rapidez com que os substitutos podem ser alçados ao comando


Com poucas exceções, os debates de candidatos a vice-presidente são como a apresentação da banda de abertura de um show. Eles são divertidos o suficiente, mas não são aquilo que você foi assistir.
Dados os eventos surpreendentes da semana passada, no entanto, o próximo debate pode receber mais atenção e interesse.
A internação do presidente Donald Trump por causa da Covid-19 e a idade avançada dos dois candidatos à presidência (Trump tem 74 anos; Joe Biden, 77) mostrou a rapidez com que os substitutos poderiam ser colocados no papel principal.
A doença de Trump fez com que acadêmicos e jornalistas explorassem publicamente a 25ª Emenda à Constituição, que dispõe sobre o que acontece quando um presidente fica incapacitado.
E essa é a lente pela qual os eleitores podem ver o vice-presidente Mike Pence e a senadora da Califórnia Kamala Harris quando eles subirem ao palco em Utah na noite de quarta-feira (7).
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Com certeza, eles cumprirão o papel tradicional de defensores de seus parceiros de chapa. Mas também serão avaliados com mais seriedade do que no passado, como presidentes em potencial por direito próprio.
O momento único será refletido, em parte, pelo espaço adicional no palco e pela placa de acrílico entre os candidatos, devido aos cuidados da pandemia.
Dada a recente proximidade de Pence com Trump e outros que foram infectados pela Covid-19, ambos os candidatos provavelmente farão o que o presidente não cumpriu na semana passada: fazer um teste de coronavírus antes de prosseguir com o debate. O público provavelmente usará máscaras, algo que a comitiva de Trump evitou.
O debate também será histórico em outro aspecto, apresentando a primeira mulher negra a subir ao palco do debate de vices. O contraste entre Kamala Harris, uma californiana e filha de imigrantes indianos e jamaicanos, e Mike Pence, um homem branco e evangélico e ex-apresentador de talk show no estado de Indiana, definirá a grande e crescente divisão cultural em nossa política.
Pode apostar que o encontro será mais educado do que o debate presidencial vergonhoso da semana passada, onde os insultos voaram dos dois lados e as regras foram para o lixo. Mesmo que Pence e Harris estivessem dispostos a fazer o mesmo, a bagunça em Cleveland foi tão criticada por eleitores e comentaristas que ninguém está ansioso para repeti-la. A doença do presidente também pode baixar a temperatura.
Mais provavelmente, Pence fará a “versão liberada para todos os públicos” do debate de Trump, argumentado com mais sutileza, mas ainda assim colocando Biden no mesmo barco da “esquerda radical”.
Espere temas familiares em questões como aquelas sobre “lei e ordem”, mas uma maior ênfase em quem é mais adequado para liderar uma recuperação econômica – a única questão importante sobre a qual Trump e Biden compartilharam o mesmo nível de apreciação do público.
Harris virá para promover Biden e seus planos, mas Pence provavelmente tentará usar o apoio dela no Senado para itens da lista de desejos progressistas, como o Medicare para Todos e o New Deal Verde, forçando-a a defender suas posições anteriores ou abraçar a visão mais moderada de Biden sobre elas. Pence pode pressioná-la sobre o histórico de Biden na questão racial e o ataque firme dela em Biden durante o primeiro debate democrata nas primárias.
Famosa por seu jeito incisivo de interrogar depoentes no Senado, Harris, uma ex-promotora, sabe como defender um caso.
Mesmo antes da doença do presidente, a Covid-19 e a forma como o governo lidou com ela provavelmente seriam os temas principais na quarta-feira. Pence presidiu a força-tarefa do presidente para o coronavírus e terá de responder pelo caminho tumultuado e muitas vezes contraditório que o presidente tomou para lidar com o vírus.
Mas Harris enfrenta desafios únicos impostos por expectativas e preconceitos.
Biden lucrou com as baixas expectativas no debate presidencial, que foram definidas em grande parte pela incessante trolagem em cima da imagem de “Joe Lento” alimentada por Trump. Isso facilitou o trabalho de Biden.
Kamala Harris entra no debate na posição inversa. Muito se espera da carismática senadora dos Estados Unidos, uma hábil interlocutora que debateu com frequência durante sua própria campanha pela indicação democrata.
Além disso, ela também enfrenta o mesmo padrão duplo que as outras mulheres na política enfrentam sobre seu tom quando fazem ataques fortes.
O discreto Mike Pence é um debatedor subestimado. Quatro anos atrás, ele foi amplamente avaliado como vencedor do debate vice-presidencial com o senador da Virgínia Tim Kaine. No debate, Pence defendeu com habilidade os ataques de Kaine a Trump e lançou o seu próprio arsenal contra Hillary Clinton.
Mas este debate vice-presidencial será diferente de qualquer outro que o precedeu.
Os norte-americanos não estarão apenas pesando argumentos. Agora, mais do que nunca, eles avaliarão de perto esses concorrentes como ocupantes em potencial do Salão Oval da Casa Branca.
(Texto traduzido, clique aqui para ler o original em inglês)
*David Axelrod, comentarista político sênior da CNN e apresentador de The Ax Files, foi conselheiro sênior do presidente Barack Obama e estrategista-chefe para as campanhas presidenciais de Obama em 2008 e 2012. As opiniões expressas neste artigo são dele.