Trump retoma antiga tradição ao encobrir seu estado de saúde
O presidente norte-americano deixou o hospital após três dias internado em função da Covid-19

O encobrimento do verdadeiro estado de saúde de presidentes doentes remonta a uma longa tradição nos Estados Unidos, embora nos últimos anos, certamente desde Ronald Reagan nos anos 80, tem havido mais transparência a respeito.
A história recua até 1893, quando o então presidente Grover Cleveland fez uma cirurgia secretamente no iate de um amigo, para remover um tumor cancerígeno da boca.
Durante a Conferência de Versalhes, em 1919, quando o mundo sucumbia à gripe espanhola, o médico do presidente Woodrow Wilson disse que ele estava resfriado.
Wilson sofria de febre tão alta que chegou a delirar. Ele imaginava que os franceses o estavam espionando em seu quarto, e via as cores dos quadros nas paredes modificadas.
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Um médico notou que Wilson babava de um lado da boca, um sinal de derrame cerebral leve. Depois disso o presidente teve outro derrame mais grave, e em outubro de 1919 ficou em cadeira de rodas, até sua morte em 1921. Nesse período, a primeira-dama Edith Wilson assumiu discretamente as funções do gabinete.
Franklin Delano Roosevelt teve diagnóstico de poliomielite em 1921, aos 39 anos. Mesmo assim, foi o mais longevo presidente da história americana, de 1933 até sua morte em 1945 (o limite de dois mandatos só seria introduzido em 1951, na 22.ª Emenda).
FDR usava cadeira de rodas mas desenvolveu uma forma de caminhar apoiado nas pessoas e numa bengala quando aparecia em público. O serviço secreto impedia os fotógrafos e cinegrafistas de fazer imagens dele caminhando.
Seu estado de saúde se deteriorou em 1945. Não havia lei sobre sucessão na época. Ele escreveu então uma carta afirmando que deveria ser substituído por seu vice, Harry Truman. Roosevelt morreu de hemorragia cerebral em abril de 1945.
Quando se elegeu em 1952, Dwight Eisenhower sofria de hérnia abdominal por causa de uma cirurgia de apêndice feita 30 anos antes. Em 1955, teve ataque cardíaco, mas os médicos disseram que ele havia se recuperado. No ano seguinte, Eisenhower foi diagnosticado com o mal de Crohn, doença gastrointestinal que exigia cirurgia. Em 1957, ele sofreu infarto mas conseguiu completar o mandato em janeiro de 1961.
A imagem que ficou fixada de John Kennedy era de juventude e vitalidade. Mas ele sofria de alergias, problemas gastrointestinais causados pelo mal de Addison (um transtorno hormonal) e dor crônica nas costas.
Esse último problema foi agravado pela participação dele na 2.ª Guerra Mundial, e exigiu várias cirurgias. Aliás, JFK usou a influência do pai para poder se alistar, já que não passou nos testes físicos.
Só depois do assassinato de Kennedy, em 1963, foi aprovada a 25.ª Emenda em 1965, que estabelece que se o presidente fica incapacitado deve ser sucedido pelo vice, esse pelo presidente da Câmara e assim por diante. Mas o texto não deixa claro o que fazer se o presidente por exemplo estiver vivo e incapacitado e não reconhecer que não pode seguir no cargo.
Depois do atentado de 1981, Ronald Reagan tentou esconder que a bala atingira a região do seu coração. Reagan teve vários pólipos removidos do colon intestinal, um deles maligno, assim como células cancerígenas do nariz. Nada disso foi informado com transparência pela Casa Branca.
Cinco anos depois de deixar o cargo, Reagan teve diagnóstico de Alzheimer. Mas uma análise de seus discursos feita por especialistas indicou que ele já podia sofrer da doença quando na presidência. Seu filho Ron admitiu que havia observado indícios de demência do pai.
Depois disso, os médicos da Casa Branca têm sido mais transparentes sobre o estado dos presidentes. Os ruídos em torno de Trump começaram depois que foi revelado que ele tinha sido atendido no Hospital Militar Walter Reed, o mesmo que o tratou agora, em novembro do ano passado.
Michael Schmidt, repórter do The New York Times, detalha a história no livro “Donald Trump v. the United States: Inside the Struggle to Stop a President”.
O presidente admitiu que fez na época um teste de lucidez. Esse tipo de teste costuma ser feito depois de intervenção que envolve anestesia. O vice-presidente Mike Pence teria sido avisado para ficar de prontidão. Pence não negou, mas afirmou não se lembrar disso.
Se a agência Bloomberg não tivesse revelado na quinta-feira, 1/10, que Hope Hicks, conselheira do presidente, que viajara com ele na véspera, voltara doente no Air Force One, testara positivo e fora hospitalizada, quando Trump anunciaria seu teste positivo?
Agora é a memória do médico da Marinha Sean Conley que inspira cuidados. Ele não se lembrou de que Trump havia precisado duas vezes de suporte de oxigênio, qual a temperatura de suas febres, se ele tem pneumonia ou danos no pulmão, nem quando o presidente testou negativo para Covid pela última vez.