Maior parte das calçadas de SP dificulta distanciamento social, mostra site
Plataforma desenvolvida por estudante de arquitetura indica que largura dos espaços destinados a pedestres estão abaixo do necessário


A cada 100 metros de calçada na cidade de São Paulo, em 72 é “muito difícil” ou “impossível” cumprir as medidas de distanciamento social recomendadas pela Organização Mundial de Saúde (OMS) durante a pandemia do novo coronavírus. O cálculo é do estudante de arquitetura Conrado Toscano Freire, 20, do quarto ano de arquitetura da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo.
De acordo com o projeto Largura do Passeio dos quase 26 mil quilômetros de calçadas em São Paulo descritos no mapa, mais de 18 mil estão inadequados, apresentando níveis “impossíveis” ou “muito difíceis” para a prática do distanciamento social, com largura máxima de até 2,6 metros.
“Essa situação é decorrente de várias décadas de políticas públicas de transporte voltadas essencialmente para o automóvel”, observa Conrado. “Apenas em 2019 a largura mínima da faixa livre das calçadas foi estabelecida como 1,2 metro pela prefeitura de São Paulo, sendo antes de 90 centímetros”.
A plataforma desenvolvida por Conrado traz em um mapa interativo da cidade de São Paulo, que indica a dificuldade do distanciamento social a partir da largura das calçadas. Ele explica que as calçadas precisariam de um mínimo de 1,9 metro de largura para garantir o distanciamento de 1,5 metro entre pedestres, que é o mínimo recomendado pela OMS.
Essa inadequação é maior em bairros periféricos, de acordo com a plataforma. No distrito de Marsilac, por exemplo, no extremo sul da cidade, cerca de 81,3% das calçadas possuem no máximo 1,7 metro de largura, sendo consideradas impossíveis para o distanciamento mínimo recomendado.
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Já em regiões centrais e mais bem planejadas, como o Jardim Paulista, Santa Cecília e Consolação, mais da metade das calçadas apresentam largura mínima a partir de 2,7 metros – ainda assim representam um nível para o distanciamento considerado “difícil”. Conrado ressalta que fatores como a qualidade de pavimentação, o fluxo de pessoas, árvores ou postes, que não são descritos no mapa, dificultam muito a mobilidade, ainda que em regiões planejadas.
“Se considerarmos todos os obstáculos, praticamente todas as calçadas seriam inadequadas, inacessíveis. É o que a gente vê todo dia. A gente tem que ficar pulando degraus, escorregando em rampas irregulares, temos que andar muitas vezes no meio da rua. As únicas ruas que possuem calçadas adequadas e amplas são das zonas mais privilegiadas – é a Avenida Faria Lima, a Avenida Paulista, a região da República, e isso não contempla grande parte da população de São Paulo. É possível perceber que o direito a rua não é um direito generalizado, é um privilégio nesse caso”, comenta o estudante.
O mapa criado por Conrado é a adaptação do projeto Sidewalk Widths NYC, da arquiteta norte-americana Meli Harvey. O estudante, a partir do código disponibilizado pela versão nova-iorquina, utilizou como referência os dados abertos da GeoSampa, plataforma digital da Prefeitura de São Paulo que disponibiliza a cartografia da cidade.
“Os dados de calçadas da GeoSampa são brutos, há apenas o desenho e a informação sobre cada calçada. Eu precisei tratar esses dados e então gerar essa interatividade. Foi o trabalho de complementar o mapa com os dados, transformar polígonos em linhas, separar informações da largura mínima e acrescentar a interatividade”, explica.

Conrado diz que já conversou com Meli Harvey, autora da versão nova-iorquina do projeto. “Entrei em contato recentemente para enviar a minha versão do projeto para ela. Pelo o que ela me informou, o mapa já foi reproduzido em várias cidades pelo mundo, como Toronto, Berlim, Washington e Milão. Em Nova York, Meli me disse que o projeto impactou na legislação das medidas de open streets [ruas abertas], gerando vários quilômetros de ruas direcionadas unicamente para pedestres e ciclistas durante a pandemia”, explica.
Conrado aponta ainda que o propósito do mapa é contribuir com o debate sobre políticas públicas que busquem a melhoria das condições do espaço urbano, sobretudo diante das restrições do espaço público impostas pela pandemia.
“Cidades como Barcelona e Berlim, durante o período de reabertura, adotaram diversas soluções de urbanismo tático para enfrentar esse desafio, como o alargamento de ciclovias, como acontece na região da Liberdade, a limitação da circulação de automóveis e o melhoramento da qualidade dos passeios. Essas medidas, que podem ser feitas de maneira temporária, podem amenizar o impacto da pandemia no espaço urbano, mas também são experiências que alteram a percepção do pedestre sobre o seu direito ao espaço público, e tem grande potencial de permanecerem no pós-pandemia”, avalia.
Por meio de nota, a prefeitura de São Paulo afirmou que está realizando a readequação de calçadas em toda a cidade. “As rotas foram definidas pelo Plano Emergencial de Calçadas, que identificou passeios públicos e privados em toda a cidade. Foram selecionadas calçadas com grande fluxo de pedestres e na proximidade de comércios, escolas e hospitais, cujos reparos impactarão positivamente à população em todas as regiões da cidade”, disse.
O município afirmou que as obras garantem que a calçada deve conter faixa livre exclusiva à circulação de pedestres e não apresentar desnível, vegetação e obstáculos que possam causar interferências. “O passeio também deve ser adequado e regular para não provocar vibrações no deslocamento de cadeiras de rodas, carrinhos de bebê, entre outros. O decreto também prevê sinalização visual e tátil”, continua.
“O Programa de Metas prevê a requalificação de 1,5 milhão de m² de calçadas até o fim de 2020, com investimento de R$ 200 milhões. De janeiro de 2019 a julho de 2020, foram executados 811.391,84 mil m². Outros 651,6 mil m² estão em execução. Além disso, 4000 rampas de acesso estão sendo construídas. Em toda a cidade de São Paulo há cerca de 34 mil km de calçadas e cerca de 17% são de responsabilidade da Prefeitura de São Paulo”, conclui a nota.
*Sob supervisão de Cecília do Lago