Moradores de favelas relatam a dura realidade durante a crise do coronavírus

Falta de água e dispensa dos empregos agravam ainda mais a luta pelo combate à doença

 
Uma reportagem exclusiva da CNN Brasil trouxe depoimentos de moradores de comunidades e favelas brasileiras que estão lutando contra o coronavírus em meio a uma já precária condição social e de infraestrutura. 

Em Paraisópolis, zona sul de São Paulo, 100 mil pessoas estão sem água durante a noite. Sendo assim, como seguir os protocolos de higiene, e lavar as mãos frequentemente, cuidados tãos básicos, se não há água potável nas casas?

Ao todo, 13,6 milhões de brasileiros residem em favelas. Este número foi divulgado por uma pesquisa do Data Favela, feita pelo Instituto Locomotivas, que também revelou, no dia 24 de abril, que 70% das famílias de comunidades do Brasil tiveram a renda reduzida em decorrência do coronavírus. Outro dado informa que 86% terão dificuldades para comprar alimento se ficarem um mês sem trabalhar durante a pandemia. O estudo ouviu 1,14 mil pessoas em 262 comunidades em todos os estados do país.

Isso porque, a maioria desta população vive hoje de trabalhos informais, e na situação em que se encontra o país, muitos foram dispensados de seus empregos sem saber ao certo quando poderão retomar. A diarista Elaine Santos, que está desde o início da quarentena sem trabalho e sem receber das pessoas que a contratavam informalmente, mostrou à equipe de reportagem, as condições de sua casa.

Em apenas um cômodo de 10m² vive sua família, com todos dormindo no chão. Durante a quarentena, uma parte do telhado caiu. Sem dinheiro para o conserto, tiveram que procurar abrigo em outro lugar. “Eu estou isolada com as crianças em um cômodo, são oito pessoas aqui dentro”, diz Elaine, moradora do Heliópolis, em São Paulo. Assim como ela, muitos moradores apenas conseguem alimentar seus filhos com a ajuda de doações. 

Outra diarista, moradora de Paraisópolis, ao perder seu emprego, disse que a renda de sua família passou de R$ 1.200 para apenas R$ 400. 

A falta de dinheiro atingiu os pequenos mercados e mercearias destas favelas, que não tinham para quem vender seus produtos. Para movimentar as vendas, a Central Única das Favelas (CUFA) teve a ideia de organizar as doações. Sendo assim, pediu para que toda compra de alimentos solidária fosse feita nos mercados locais. As pessoas estão transferindo a quantia que podem para estes estabelecimentos, e a CUFA fica encarregada de transformar a quantia em cestas básicas. Isso salvou o comércio de muitas famílias da favela.

“O que a gente percebe é que existem dois países: o Brasil que dá para fazer quarentena, trabalhar em home-office, usar álcool em gel e máscara, e um outro em que as pessoas estão morando em cima do córrego e não tem acesso à água”, disse um dos moradores.

Vírus nas favelas do Brasil: o que pode acontecer?
Vírus nas favelas do Brasil: o que pode acontecer?
Foto: Reprodução / CNN

Em Paraisópolis, por exemplo, as pessoas estão enchendo baldes e potes de água ao longo do dia para terem como lavar as mãos quando a água acaba, e isso tem acontecido, segundo a reportagem, todos os dias por volta das 10 horas da noite.

Pessoas que já viviam invisibilizadas pelo governo agora estão tendo que criar sua própria rede de ajuda. Uma ONG que trabalha com mulheres em situação de violência doméstica, em Paraisópolis, criou uma campanha de financiamento coletivo para uma ideia que está ajudando financeiramente mulheres que perderam seus empregos na quarentena, bem como toda a comunidade.

“A gente está fazendo marmitas para entregar para as famílias mais vulneráveis de Paraisópolis e precisamos de ajuda para remunerar as meninas no final do mês”, conta uma das idealizadoras. Atualmente, mais de 2 mil marmitas são levadas para a população diariamente, garantindo alimento e salário para muitas mães.

Sobre o risco de contaminação, está sendo feito um esforço conjunto para que as pessoas sigam as instruções do Ministério da Saúde e possam aderir ao isolamento social.

O profissional autônomo Lindnaldo Oliveira foi uma das primeiras pessoas a serem contaminadas e testadas positivas pela COVID-19 em Paraisópolis. Ao sentir falta de ar, foi atendido por médicos contratados pela associação de moradores do bairro. “A ambulância chegou aqui em questão de três minutos e me levou às pressas para o hospital”, conta. O atendimento médico só foi possível por conta das doações arrecadas. 

Um carro de som tem percorrido todo o bairro fazendo o alerta para o risco do coronavírus e uma das vozes em defesa da quarentena em Paraisópolis é o rapper Oswaldo Garcia, conhecido como “Vulto”, que fez uma rima sobre a seriedade do momento. “Eu, como rapper, tenho a obrigação de passar essa mensagem de forma que as pessoas que vivem ao meu redor entendam”.

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