O que é estado de calamidade pública, aprovado pelo Congresso Nacional
Medida dispensa licitações e afrouxa mecanismos de controle orçamentário


Autorizada pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, o reconhecimento do estado de calamidade pública em razão da pandemia do novo coronavírus permitirá ao governo federal expandir os gastos públicos sem correr os riscos previstos nas leis orçamentárias, segundo advogados ouvidos pela CNN nesta segunda-feira (17).
Esta é a primeira vez que o Brasil entra em estado de calamidade desde que a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) está em vigor. A medida permite que o governo federal, além de estados e municípios, dispense licitações e estoure os gastos previstos na lei orçamentária para investir no controle da transmissão da pandemia e reduzir os impactos dela na economia e na população em geral — o estado e a cidade de São Paulo também adotara a medida, que entra em vigor neste sábado.
“É uma medida orçamentária e administrativa, que não interfere em liberdades individuais. Estado de calamidade é um status em que o governo tem uma série de facilidades para gastos e contratações. Vai poder gastar mais do que o normal, afrouxando os limites previstos em lei”, afirma o advogado Daniel Falcão, professor de Direito Constitucional do Instituto de Direito Público (IDP).
Segundo a advogada Vera Chemim, mestre em direito público pela FGV, são consideradas calamidades públicas as situações que “afetem a normalidade coletiva da sociedade”. “Poderia ser uma enchente ou uma seca em grandes proporções, assim como agora, com uma doença infecciosa que tem um impacto grande no dia-a-dia dos brasileiros”, explica.
Pela legislação brasileira, caso o governo não cumpra a meta fiscal estimada no orçamento anual, o presidente da República fica passível de um processo de impeachment por crime de responsabilidade. Para 2020, a meta fiscal é de um déficit de R$ 124,1 bilhões. O governo justificou o pedido com a “necessidade de elevação dos gastos públicos para proteger a saúde e os empregos dos brasileiros” e a “perspectiva de queda de arrecadação”.
Com três parlamentares diagnosticados conta do COVID-19, incluindo o presidente da Casa, Davi Alcolumbre (DEM-AP), a votação que aprovou o decretado nesta sexta-feira Senado foi realizada de forma remota, a primeira dos 196 anos de história da Casa. O senador Antonio Anastasia (PSD-MG), 1º vice-presidente do Senado, conduziu a sessão.
Gastos extras
De acordo com Vera Chemim, a autorização do estado de emergência também flexibiliza as contratações sem licitação. A lei que estabelece as regras para as compras públicas prevê que em situações como essas, o governo poderá fazer gastos que estejam alinhados com a “urgência de atendimento de situação que possa ocasionar prejuízo ou comprometer a segurança de pessoas, obras, serviços, equipamentos e outros bens, públicos ou particulares”.
O estado de calamidade também permite ao governo fazer transferências sem contrapartida, como o pagamento de benefícios a afetados ou a concessão de subsídios e renúncias de impostos. Nesta terça (17), o presidente Jair Bolsonaro admitiu a possibilidade de encaminhar um socorro ao setor aéreo, um dos mais afetados pela crise.
“Fica muito mais caro se você não colaborar, porque demissões virão. Os empregadores terão que pagar encargos trabalhistas e do nosso lado fica o seguro-desemprego”, disse Bolsonaro a jornalistas em Brasília.
Solução temporária
Segundo o economista Carlos Góes, pesquisador-chefe do Instituto Mercado Popular, “o desafio é fazer com que o mercado entenda que o governo vai elevar a sua dívida no curto prazo, mas vai manter a trajetória de estabilidade do nível de endividamento no médio e longo prazo”.
De acordo com Góes, gastos adicionais do governo neste momento são “consenso” entre especialistas da área, que consideram necessário que se contenha uma queda do PIB no curto prazo. “Há um consenso entre macroeconomistas de que o governo deve gastar agora para conter uma retração no PIB no curto prazo. Uma retração no PIB poderia piorar a arrecadação do governo e levar a uma situação em que o país não consiga pagar credores no médio prazo”.