Respiradores comprados pela União atrasam, e só 3,6% chegam aos estados

Ministério da Saúde diz que os mais de 15 mil respiradores serão entregues até julho

Em meio à pandemia do novo coronavírus, o aparelho mais requisitado do mundo encontra dificuldades para chegar aos hospitais públicos do país. Dos 15.300 respiradores comprados pelo governo brasileiro, só 557 foram entregues aos estados até o momento: 3,6% do total previsto.

Os contratos, disponíveis no site do Ministério da Saúde, mostram negociações fechadas com quatro empresas brasileiras. A maior compra, de 6.500 respiradores, a um custo de R$ 322 milhões, se deu com a Magnamed Tecnologia Médica, de São Paulo. Só em abril, o governo informou que a empresa entregaria dois mil aparelhos. Mas até agora, o governo informa que menos de 150 foram disponibilizados. 

A dificuldade em produzir os respiradores está relacionada ao mercado externo. O superintendente da Abimo (Associação Brasileira dos Fabricantes de Dispositivos Médicos), Paulo Henrique Fraccaro, explica que a cadeia de suprimentos é internacional.

Com uma demanda mundial, os preços mudam a todo momento, e a China, principal fabricante de componentes, só está aceitando pagamentos à vista. “Um dos ítens mais importantes na fabricação dos ventiladores são as válvulas de controle de fluxo do ar. Essas válvulas têm dois, três fabricantes. Um fica nos Estados Unidos, que proibiram a exportação dessa válvula. Na China, dois fabricantes estão com a produção totalmente voltada para atender o parque chinês. E aí começou uma loucura de preços. Essa válvula, que antes da pandemia custava 50 dólares, hoje pra você furar essa fila ela está custando de 700 a 900 dólares. E mesmo assim com prazo de entrega de 15, 20 a 30 dias”, disse Fraccaro. 

Respirador mecânico
Sensor de pressão é um dos itens fundamentais na fabricação de respirador
Foto: Talis Mauricio/CNN

O Ministério da Saúde diz que os mais de 15 mil respiradores serão entregues até julho. Paulo Henrique avalia que, dificilmente, o prazo será cumprido. “As fábricas brasileiras estão trabalhando à plena carga, mas muito longe de atender a atual demanda. E começamos a viver aquilo que nós estamos vendo nas reportagens. Muitas vezes o médico, a enfermeira, definindo quem vai para um equipamento e quem vai ficar na cadeira esperando vaga. Então, esse é um problema que o mundo todo está enfrentando”.

Antes de optar pelo mercado interno, o governo federal tentou comprar os equipamentos lá fora. Mas o contrato, com uma gigante chinesa, não foi pra frente. Seriam comprados 15 mil respiradores, por cerca de 1 bilhão de reais. 

O Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), uma das referências na área da engenharia, está envolvido em um projeto para testes e manutenção de respiradores comprados no país. A reportagem da CNN visitou o laboratório da instituição e teve acesso às peças que estão em falta no mundo. Um deles é o sensor de pressão, que é inserido no interior dos equipamentos. O outro são válvulas controladoras de fluxo de ar. É atrás de componentes como esses que a indústria brasileira está desesperadamente atrás. E sem eles, que vêm do exterior, a produção fica literalmente parada, como explica o engenheiro Henrique Takachi, coordenador do projeto Mais Ventiladores. “Existem empresas que têm histórico no Brasil de fazer ventiladores de qualidade. Só que para conseguir fazer mesmo, e colocar em prática, falta essa rede de suprimentos, que vem a maior parte da China”. 

Os 557 respiradores adquiridos pelo governo e entregues até o momento foram distribuídos para 10 estados brasileiros. Os critérios de distribuição, segundo o Ministério da Saúde, acompanham a dinâmica da doença no país, ou seja, onde a transmissão acontece em maior velocidade. Rio de Janeiro, terceiro estado com mais casos confirmados e segundo em mortes por Covid-19, é o que mais recebeu aparelhos: 150. Depois vem o Amazonas, com 90. Seguidos do Pará (80), Ceará (75), Pernambuco (50), Amapá (45), Paraíba (20), Paraná (20), Santa Catarina (17) e Espírito Santo (10). O custo total dos mais de 15 mil respiradores é de R$ 730,5 milhões.

Para Daniel Soranz, médico da Escola Nacional de Saúde Pública da FIOCRUZ, a demora na entrega dos respiradores preocupa, já que o país se aproxima do pico de mortes e infectados. “Essa troca de ministros da saúde… já é o segundo ministro… impede o Ministério da Saúde de tomar uma decisão. E essa decisão impactou obviamente na questão dos respiradores. Então, cada estado está realizando seu próprio processo de compra, com valores diferentes, sem utilizar o poder de compra do estado”. 

Com a imprevisibilidade das entregas, foi o que aconteceu, por exemplo, em São Paulo. O vice-governador do estado, Rodrigo Garcia, disse que foram comprados 2480 equipamentos. Desses, 40 respiradores já chegaram, e até o dia 20 de maio outras 1150 unidades devem ser disponibilizadas. “No momento da pandemia, a lei de calamidade pública deu um poder ao Ministério da Saúde de poder fazer a requisição de produção. E ele fez a requisição de produção de todos os respiradores produzidos no Brasil. Isso obriga estados, municípios e até hospitais particulares a comprarem respiradores no exterior”, explicou Garcia. 

Maranhão seguiu o mesmo caminho. “Fizemos três compras em mercados internacionais. Compras totais que chegam a cerca de 250 respiradores. Vários preços, uma vez que são tipos diferentes de equipamentos, com fabricantes diferentes. Posso afirmar que o preço médio gira em torno de R$ 80 a 100 mil reais, cada um, dependendo do tipo de equipamento. Essas compras foram feitas a maior parte na China e na Inglaterra”, disse o governador do Maranhão, Flávio Dino.    

Iniciativas da academia

Enquanto o entrave internacional impossibilita a distribuição dos respiradores no Brasil, iniciativas do meio acadêmico buscam soluções domésticas. Um grupo de pesquisadores do Inatel, o Instituto Nacional de Telecomunicações, desenvolveu um protótipo de respirador semelhante ao usado em uma UTI. Os componentes internos foram redesenhados para que, a partir de agora, possam ser fabricados pela indústria brasileira. O projeto chegou ao governo, recebeu apoio da Embrapii, a Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial, e já está na indústria. Em até três meses, 200 unidades devem estar prontas. “Quando a gente criou esse equipamento, pensando em ajudar o sistema de saúde brasileiro, também houve a preocupação no redesenho de algumas partes, módulos e peças, de forma a facilitar a entrada dessa tecnologia para a indústria nacional. Então, no momento da produção desse ventilador, se a empresa tivesse alguma dificuldade em adquirir alguma dessas peças, ela poderia produzi-la por conta própria”, destacou o coordenador de pesquisas em Engenharia e Biomédica do Inatel, Felipe Bueno.

Além de abrir portas para a indústria nacional, o respirador do Inatel também possui baixo custo. O preço deve ficar abaixo de R$ 40 mil reais, enquanto os preços praticados no mundo, no momento, variam entre R$ 60 e 200 mil reais. “Num caso como esse, ou num próximo caso, que a gente espera que não ocorra, a gente tem a capacidade de iniciar uma produção rapidamente sem dependência externa. Ou seja, na hora que os outros países imporem restrições às exportações pra que a gente possa utilizar essas peças, a gente consegue produzi-las, aqui, normalmente numa velocidade muito rápida. Ou seja, toda essa dificuldade que o país está vivendo vai deixar um legado, sem dúvida nenhuma”, disse o CEO da Ventrix, Roberto Castro Júnior, que vai produzir os respiradores do Inatel. 

Peça do respirador
Válvulas controladoras de fluxo de ar, fabricadas na China, estão em falta no mercado nacional
Foto: Talis Mauricio/CNN

Outro lado

O Ministério da Saúde, em nota, informou que a distribuição dos respiradores aos estados tem ocorrido conforme a capacidade de produção da indústria nacional, que depende de algumas peças que são importadas. Após um cenário de escassez mundial também destas peças, destaca o ministério, tem-se observado a normalização deste fornecimento. Desta forma, a partir deste mês, é esperada a ampliação da produção através de um esforço da indústria nacional, que envolve mais de 15 instituições entre fabricantes processadores, instituições financeiras e empresas de alta tecnologia, entre outras.

A Magnamed, também em nota, declarou que, desde 25 de março, em atendimento a uma determinação do Ministério da Saúde, já produziu e entregou 491 respiradores pulmonares para o Governo Federal e entes da área da saúde do País. Isso significa dizer, segundo a nota, que a empresa, que produzia cerca de 150 respiradores por mês antes do evento Covid-19, já triplicou a sua produção no período. Para viabilizar o aumento da oferta nacional do produto, a Magnamed conta com o apoio de um grupo de empresas lideradas por Positivo Tecnologia, Suzano, Klabin, Flex e Embraer, suportadas também por Fiat Chrysler Automóveis, White Martins, entre outras. A Magnamed reitera que, com o apoio de seus parceiros, está trabalhando diuturnamente para diminuir a sua curva de aprendizado no desafio de aumentar sua produção em mais de sete vezes em comparação ao que produzia no cenário pré-Covid 19.

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