STF julga a mais antiga ação em tramitação na Corte
Ação envolvia uma disputa de terras em Iperó entre a União e o estado de São Paulo, que venceu o processo
O Supremo Tribunal Federal (STF) julgou nesta semana a mais antiga ação em tramitação na Corte, que estava à espera de uma decisão havia mais de 50 anos.
Iniciada em abril de 1968 pela União contra o Estado de São Paulo, a ação envolvia uma disputa de terras em Iperó (a 125 km da capital paulista). As duas partes se diziam donas de 155,72 alqueires de terrenos vizinhos à antiga Fazenda Ipanema, onde funcionou a Real Fábrica de Ferro durante o período imperial. A sentença foi dada nessa quinta-feira (12), 51 anos e 11 meses após o início do processo, por unanimidade, em favor do Estado de São Paulo.
Os ministros negaram o pedido da União, que buscava anexar terras dos atuais bairros Villeta e Alvorada ao patrimônio federal da Fazenda Ipanema, atual Floresta Nacional de Ipanema. O julgamento é definitivo e possibilitará que a prefeitura de Iperó regularize a situação de 20 mil pessoas que vivem atualmente na área.
A ação foi encaminhada à Justiça com o objetivo de obter a anulação de títulos de domínio expedidos pelo governo paulista. A União alegava que a área, conhecida anteriormente como “Campos Realengos, Reinóis ou Nacionais” era de sua propriedade. O terreno teria sido anexado em 1872, por “ordem do Presidente da Província de São Paulo” para ampliar a área florestal e atender a demanda da Fábrica de Ferro por combustível da fundição.
A Ação Cível Ordinária 158 foi proposta ainda durante o regime militar, depois que a Justiça paulista se julgou incompetente para analisar o caso. Na época, o Estado de São Paulo considerava aquelas terras devolutas, sem destinação pelo poder público, e concedeu títulos aos posseiros que já estavam na área. O governo federal interveio, alegando que eram terras da União.
O argumento se baseou em registros de uma visita feita pelo imperador D. Pedro II à Real Fábrica, ao completar a maioridade, em julho de 1840. Na ocasião, ele pediu à então Província de São Paulo que as terras do chamado Campos do Realengo fossem anexadas à fazenda do império. Com a alegação de competência federal para o feito, a tramitação do processo já começou no Supremo. Desde então, a disputa das terras gerou um processo com 16 volumes, 4 anexos e um total de 1.600 páginas. Houve várias tentativas de conciliação, sem resultados.
Em 2019, a ministra Rosa Weber, do STF, chegou a falar sobre a necessidade de dar solução “à mais antiga ação em trâmite nesta Corte”. Relatora da ação, a ministra afirmou que a União não demonstrou domínio sobre as terras. “O que era inicialmente terra doada a poucas pessoas, hoje constitui grande bairro povoado onde as famílias fixaram suas residências, construíram prédios, enfim, área que foi humanizada ao longo do tempo, alicerçada na presunção de boa-fé dos réus e terceiros eventualmente atingidos”, disse.
Em seu voto, a ministra observou que, desde a Constituição de 1891, as terras devolutas, com exceção daquelas indispensáveis à preservação ambiental e à defesa das fronteiras, das construções militares e das vias federais de comunicação, pertencem aos Estados.
Falta de provas
A ministra entendeu que a União não provou que adquiriu as terras em questão antes da Constituição de 1891, por meio de compra ou anexação, para uso específico da atividade siderúrgica desenvolvida na Fazenda Ipanema, ou que as terras eram úteis quando a Constituição de 1891 entrou em vigor. Além disso, Rosa indicou que a União não individualizou a área sobre a qual alega ter posse, para se saber se coincide com as terras para as quais o Estado de São Paulo expediu os títulos em questão.
Ao finalizar o voto, Rosa destacou que as leis brasileiras passaram por diversas transformações durante o período de tramitação da ação, pontuando que o processo foi permeado pela insegurança jurídica. “Não obstante a desgastante condução deste processo nesta tortuosa evolução legislativa, cuja delonga refletiu também sua complexidade, possibilitou-se, ao final, chegar a bom termo e concluir, de forma segura, pela improcedência da ação”.
Nessa linha, a ministra destacou a importância da preservação da segurança jurídica, em especial por que “há pessoas por trás dos autos”. “O que era inicialmente terra doada a poucas pessoas, hoje constitui grande bairro povoado, onde famílias fixaram suas residências, construíram prédios, enfim, a área foi urbanizada”, afirmou.
Rosa também determinou à Secretaria da Corte que enviasse as cópias dos autos para o Museu Histórico de Sorocaba e para as prefeituras de Sorocaba e Iperó, para registro cultural e histórico, tendo em vista o “robusto acervo histórico e documental” reunido no decorrer do processo.
Títulos válidos
A decisão, em sessão quase sem público devido à pandemia do novo coronavírus, foi unânime. Com isso, os títulos expedidos pelo governo de São Paulo para os moradores daquela porção da Fazenda Ipanema tornam-se válidos.
O advogado das famílias, Solano Camargo, disse que a regularização vai permitir que os moradores obtenham os títulos das propriedades e possam investir nos imóveis. “Embora a administração atual tenha realizado melhorias na região, ainda faltam escolas, unidades de saúde e pavimentação.”
A prefeitura de Iperó informou que vinha lutando pela definição do processo para poder levar infraestrutura à área com segurança jurídica.