STF mantém, com restrições, MP que atenua punição de gestores em pandemia
Ministros defendem, entretanto, a exclusão de trechos que possam violar proteção à vida


O Plenário do Supremo Tribunal Federal decidiu manter por maioria (9 a 1), nesta quinta-feira (21), a validade da MP 966, que atenua a punição a agentes públicos durante a pandemia de coronavírus. Os ministros seguiram o relator, Luís Roberto Barroso, que defendeu a limitação do alcance dos efeitos da norma — sem considerá-la inconstitucional.
O texto da MP condiciona a punição de agentes públicos aos casos de omissão ou “erro grosseiro”. Mas os ministros concordaram em estabelecer limites para este conceito. A tese fixada foi de que “configura erro grosseiro o ato administrativo que ensejar violação ao direito à vida, à saúde ou ao meio ambiente equilibrado, por inobservância: (i) de normas e critérios científicos e técnicos; ou (ii) dos princípios constitucionais da precaução e da prevenção.”
Os ministros também entenderam que a autoridade a quem compete decidir deve exigir que as opiniões técnicas em que baseará sua decisão tratem de normas e critérios científicos e técnicos, como os estabelecidos por organizações reconhecidas nacional e internacionalmente. As decisões também devem observar princípios da “precaução e prevenção”, “sob pena de se tornarem corresponsáveis por eventuais violações a direitos.”
O relator foi seguido pelos ministros Edson Fachin, Rosa Weber, Alexandre de Moraes, Luiz Fux e Cármen Lúcia, Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli. O ministro Marco Aurélio foi o único a divergir. Para ele, a MP deveria ser suspensa porque limita os conceitos de dolo ou culpa previstos na Constituição. O decano Celso de Mello não participou da sessão.
“Quero ressaltar a importância de decisões tomadas por gestores se guiarem ao máximo em standards técnicos, em especial as normas e critérios científicos aplicados à matéria, entre elas orientação da Organização Mundial da Saúde Não podemos é sair aí a receitar cloroquina e tubaína, não é disso que se cuida. O relator deixou isso de maneira evidente, é preciso que haja responsabilidade técnica”, afirmou Gilmar Mendes.
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Na sessão desta quinta-feira, o primeiro a votar foi o ministro Alexandre de Moraes. O ministro acompanhou o relator na interpretação conforme à Constituição aos dispositivos da MP 966, sobre a observância de critérios científicos e dos princípios constitucionais da precaução e da prevenção.
Moraes, entretanto, votou por suspender a palavra “somente” do artigo 1º para que a MP não se limite a responsabilizar os agentes nas esferas civil e administrativa. O ministro também propôs a retirada do trecho que fala da adoção de medidas econômicas e sociais.
“Isso pode justificar medidas relacionadas a planos econômicos, segurança pública, estaríamos aqui a permitir uma cláusula tão aberta, que se perpetuaria ao longo dos anos, que, a meu ver, inverteria a ordem, a lógica. Regra é a responsabilização, que nós transformaríamos em exceção. A partir dos próximos anos, todas as medidas terão alguma ligação, algum nexo com os efeitos gerados pela pandemia. O mundo hoje só toma medidas relacionadas à pandemia. Não há aqui aquela excepcionalidade que permite um novo tratamento de responsabilização”, justificou.
MP questionada
A medida provisória, publicada na semana passada no Diário Oficial da União, causou reação imediata no Legislativo e no Judiciário e foi questionada em sete ações apresentadas pela Associação Brasileira de Imprensa e pelos partidos Rede Sustentabilidade, Cidadania, PSL, PCdoB, PDT e PV.
A MP 966 prevê que agentes públicos só poderão ser responsabilizados nas esferas civil e administrativa se ficar comprovada a intenção de fraude ou “erro grosseiro”. A medida diz ainda ser preciso analisar “o contexto de incerteza acerca das medidas mais adequadas para enfrentamento da pandemia da covid-19 e suas consequências, inclusive as econômicas”.
Em defesa do governo, a Advocacia Geral da União afirmou que a MP não tem o objetivo de “blindar” os servidores ou livrá-los dos deveres e obrigações próprios. De acordo com o governo, a medida foi editada para evitar que servidores deixassem de agir por medo de injusta responsabilização. Segundo a AGU, tal “inércia” vai de encontro à agilidade exigida dos profissionais em meio à pandemia.