Witzel não cuidou do parlamento, diz André Ceciliano, presidente da Alerj
Para o deputado, o governador estava preocupado com outras questões, como a reeleição


Quase uma semana após a abertura do pedido de impeachment do governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel (PSC), o presidente da Alerj, André Ceciliano (PT), recebeu a CNN na biblioteca do Palácio Tiradentes, para a primeira entrevista concedida após o início do processo.
O plenário da casa votou na última quarta-feira (10) a admissibilidade do pedido do deputado estadual Luiz Paulo (PSDB) por 69 a 0. A casa tem 70 parlamentares.
CNN: Como o senhor avalia hoje a situação do governador Wilson Witzel?
André Ceciliano: A Assembleia Legislativa já vem ajudando muito o governador, desde antes da posse, com medidas importantes. Aprovamos emendas constitucionais que possibilitaram ao governo remanejar mais de R$ 1,5 bilhão em recursos. Como fomos parceiros do governador Pezão, ao aprovar medidas que possibilitaram a entrada do Rio no Regime de Recuperação Fiscal. Mas tínhamos aqui mais de 10 pedidos de impeachment, e as operações recentes aceleraram esse processo. Achamos por bem abrir, consultei o plenário, e daremos agora amplo direito de defesa. Esse placar aconteceu porque o governador não tratou, não cuidou do parlamento. Preferiu dar atenção a outras questões, estava preocupado, por exemplo, com 2022.
O que mudou na relação entre o Palácio Guanabara e a Alerj?
Já no início de 2019 ele não tinha base aqui. Não conseguiu 13 deputados estaduais para formar uma chapa para concorrer à presidência da casa. Isso, em fevereiro. Parte do PSL tentou e não conseguiu. O governo sempre teve da assembleia um tratamento digno, tranquilo, sem ódio. Mas nunca teve uma base. Alguns secretários tinham posicionamento de ódio contra a assembleia, mas a assembleia nunca revidou. Mas aí veio a história dos dossiês [o ex-secretário estadual de Desenvolvimento Econômico, Lucas Tristão, teria dito que teria dossiês contra deputados]. O próprio secretário, que esteve aqui, não negou. Só disse que não lembrava.
A denúncia dos supostos dossiês contribuiu para o placar de 69 a 0?
Isso ajudou. Ele falou numa reunião, ameaçou. Andou ameaçando deputados, que não quiseram se expor. Se falou muito de informações, dossiês, possíveis grampos. O Ministério Público está investigando, sem fazer juízo de valor. Mas isso contribuiu. O governo não tinha base aqui. Ele, mais de uma vez, quis tirar o próprio líder do governo, o Márcio Pacheco. O ápice foi numa quinta-feira, quando ele [o governador] exonera os secretários de Fazenda e da Casa Civil, e nomeia duas pessoas ligadas ao Lucas. Esse movimento durou de quinta até segunda-feira. Foram oferecidas secretarias de todos os tipos para os deputados. Meio Ambiente, Casa Civil, Cultura, Polícia Civil… só não ofereceu Desenvolvimento Econômico e Fazenda. Era uma demonstração de que queriam dar o protagonismo para a assembleia. Falaram que compravam deputados, que eram como jujuba, que compravam, com carro forte.
Por que ele fez esse movimento, fortalecia o secretário Tristão e procurava os deputados oferecendo cargos?
Ele quis cooptar o parlamento, e o parlamento foi muito altivo nessa votação. Eu quis levar o assunto para o plenário e o placar foi esse. Nós temos 70 parlamentares, e um se ausentou da votação. Se falou muito em cooptar parlamentares, e esse foi um sinal muito forte que o parlamento deu.
Witzel foi eleito pelo discurso da nova política, contra o “toma lá dá cá”, mas o senhor está dizendo que não foi isso o que aconteceu?
O governo nunca teve uma base na Casa, mas sempre teve aqui, mesmo na oposição, uma vontade grande de contribuir com o governo. A boa vontade continua, mas sentimos falta de uma gestão, de um projeto. Todos com muita boa vontade. Ninguém trata o governo como adversário, cria despesa e tira receita, não. Passamos o tempo todo contribuindo, e vamos continuar. Ninguém está feliz por dar sequência a um pedido de impeachment.
O senhor ainda não conversou com o governador desde a abertura do processo de impeachment?
Desde que eles ofereceram secretarias aos parlamentares aqui, não. Desde então, não nos falamos mais.
O senhor considera a exoneração de Tristão tardia? Se ele tivesse sido exonerado antes, o processo poderia ter sido evitado?
Olha, as questões do executivo eu deixo para o Executivo resolver. Igual a questão do líder. Agora, se você tem uma equipe que administra o estado, e uma figura que toda hora cria problemas internos, brigando com outros secretários e com o Legislativo, isso não é bom para nenhum dos outros poderes. Se fosse em outro tempo, com outro presidente (na Alerj), ele não duraria 24 horas no cargo. É que somos muito tranquilos. Sabemos que o Executivo tem que governar, o Legislativo tem que fazer leis e fiscalizar. Mas o limite é o que Montesquieu disse, a independência dos poderes. Não podemos deixar um poder cooptar o outro.
O governador disse que orientou seu próprio partido a votar favoravelmente à abertura do impeachment, para ter a oportunidade de se defender. O senhor acredita?
Olha, ele é o governador e a gente respeita, mas a gente ouviu também de parlamentar que foi ameaçado de não ter a legenda no município para disputar a prefeitura, se não fosse a favor. Mas o parlamento teve aqui um momento de união. Não sei se foi nesse momento ou no da jujuba, quando soubemos que o secretário disse que deputado era igual jujuba, era só comprar.
O senhor abriu a admissibilidade para a casa. Uma atitude elogiada pelos parlamentares, mas que foi vista como uma demonstração de força, para sair fortalecido. Qual foi o motivo real disto?
Desde que me tornei presidente, em 2017, fazemos tudo em colegiado. Nós [Alerj] mudamos, precisamos sair de 2017, 2018, precisamos mudar. Respeitamos todos os presidentes, mas temos mudado critérios, adotado novas práticas, tomando decisões em conjunto. Não foi para mostrar força, não precisamos disto. Depois do impeachment, votamos o Repetro. Isso permitiu à Petrobras acenar com R$ 1,2 bilhões ao estado.
O senhor cita exemplos de intervenções suas em ações que beneficiaram o governo. O senhor era visto como aliado do governador, o que mudou?
Não mudou nada, ajudamos o governo, como ajudamos o PMDB em 2018, nas medidas fiscais. E continuamos ajudando, após a aprovação do pedido de impeachment.
O senhor diz que nada mudou, mas foi um dos que votaram favoravelmente à abertura do processo.
Claro. O parlamento tem sua independência. Depois das operações, tínhamos mais de 10 pedidos de impeachment. No meu íntimo, eu esperaria uns 20 dias. Nem a tentativa de cooptação fez com que acelerássemos. Mas voltou a história dos dossiês. Aqui é o parlamento. É onde se dialoga, se conversa. Na ameaça, não vai. Decidi então conversar com os líderes.
Afinal, os dossiês existem ou não?
Tem um órgão, o Ministério Público, que está investigando. Quando a gente ouve de mais de uma fonte, que tem os dossiês, que João, Maria e José estão fazendo, ouve de outra, e dois dos três nomes batem… Conversei com os líderes, pus para votar e deu 69 a 0. Mas não há nenhum ódio. É só a vontade de tirar o Rio de Janeiro desse estado em que se encontra.
O senhor teve dificuldades de diálogo com o governador?
Toda vez que precisei falar com o governador, eu liguei e ele atendeu, nunca tive dificuldade. Agora, logicamente, um é governador que não é do ramo da política. Ele preferiu conversar mais com juízes, desembargadores, promotores de Justiça, e não com parlamentares. É o estilo dele, a gente não pode recriminar. Mas, nessa hora, o sujeito que não conversou, não criou uma relação pessoa, que não precisa ser de cooptação. Mas ele não procurou fazer esse diálogo, ter essa relação com o parlamento. Na verdade, ele não perdeu. Foi a admissibilidade que passou. Ele vai ter a condições de se explicar.
Qual é hoje a relação da casa com o vice-governador Cláudio Castro (PSC)? É ele quem assume, caso haja o impeachment, ou mesmo caso o processo vá adiante, com o afastamento do governador por 180 dias.
Desde antes posse, dezembro de 2019, ele tem relação com o parlamento. Foi assessor do deputado Márcio Pacheco, é do ramo.
O corregedor da Alerj, Jorge Felipe Netto (PSD), deu um parecer favorável aos pedidos de cassação dos cinco deputados presos pela operação Furna da Onça. No fim de maio, o STF os permitiu retomar os mandatos, e dois deles estão na comissão especial do impeachment. Os pedidos estão parados na mesa diretora, não foram encaminhados ao Conselho de Ética. Não é uma situação um pouco constrangedora para a Alerj votar o impedimento do governador, mas não votar o de seus parlamentares?
A Assembleia Legislativa, por decisão judicial, votou no plenário a volta dos parlamentares. A Assembleia criou o dispositivo de soltar os parlamentares, mas afastá-los do mandato. Veio uma decisão judicial que diz que o parlamentar tem que integrar o parlamento. A Assembleia não vai fazer nada no afogado. Como vamos dar todo o direito de defesa ao governador, daremos também aos deputados. Há uma tese que o sujeito não pode ser julgado no mandato seguinte com o que foi feito no mandato anterior. A Assembleia vai se reunir, ouvir os parlamentares, porque dizem alguns que nem ouvidos foram. Ficaram mais de um ano presos. Vamos dar sequência e enviar os processos para a comissão de ética. Acredito que até o final de junho tenhamos uma decisão, para seguir para a comissão de ética. A Mesa não é soberana, cabe recurso ao plenário.
O que o governador pode fazer então para reverter essa situação, politicamente?
Governar, governar e governar. Administrar, administrar e administrar. E provar sua inocência.
Após o parecer dessa comissão especial, o processo vai para uma comissão mista. Com cinco deputados estaduais eleitos pelos colegas, e por cinco desembargadores do Tribunal de Justiça, escolhidos por sorteio, além do presidente do tribunal. O senhor acha que isso tira o poder de decisão do parlamento?
Não, porque precisa ter uma casa revisora. Como há em Brasília o Senado, para a Câmara dos Deputados. Uma instância para revisar. É bom, não é ruim. A decisão vai acabar em um tribunal misto, processante. É uma virtude tê-lo.
O senhor arriscaria um placar?
O parlamento tem o seu tempo, vai se reunir para eleger o presidente e o relator, não tem como opinar, se vai ser a favor ou contra.
O senhor é um parlamentar do PT, e a presidente Dilma Rousseff, também do PT, foi alvo de um impeachment. Como o senhor, como petista, se vê nessa situação de abertura de um impeachment no governo fluminense, tendo uma colega de partido que sofreu o mesmo impedimento?
Por isso minha decisão de levar ao plenário. Poderia ser monocrático, como foi na Câmara. Nós do PT sofremos esse processo, que foi muito dolorido, porque foi um parecer do Tribunal de Contas da União. Imagine você que um parecer do Tribunal de Contas do Estado possa amanhã cassar prefeitos? Mais de 50% dos prefeitos do Brasil seriam cassados pelos pareceres. Quando eles têm suas contas julgadas na Câmara por parecer do TCE, ele fica impedido de disputar eleição, ele fica inelegível, mas não sai do cargo. Em 2019, o governador teve parecer contrário do TCE. A meu ver, isso não dá cassação. E teve 14 pedidos de impeachment. Fizemos questão de consultar um conjunto de parlamentares, para não ficar pessoal. Porque nós do PT passamos por isso, e foi muito traumático. Vamos agora dar oportunidade para que ele possa se defender.
Outro lado
O ex-secretário Lucas Tristão disse em nota que as divergências políticas devem ser resolvidas por quem ainda está no governo. Leia o comunicado na íntegra:
Sobre esse assunto, prestei todos os esclarecimentos quando convocado a pronunciar-me em sessão conjunta das comissões de Tributação e de Segurança Pública da ALERJ, por mais de 3h, no dia 5/3/2020.
Muitas frases são a mim atribuídas ardilosamente sem que eu as tenha dito; que nem a história da jujuba. Essas divergências políticas devem ser resolvidas por quem ainda está no governo.
Enquanto fui secretário, cuidei exclusivamente dos assuntos afetos à secretaria de desenvolvimento econômico do Estado do Rio de Janeiro
Procurado, o governador Wilson Witzel (PSC) não respondeu aos contatos da reportagem.