Corrida de pacientes crônicos a hospitais pós-pandemia preocupa especialistas

Para o cardiologista Ary Ribeiro, a demanda reprimida pode ser tão prejudicial quanto a pandemia, com 'demanda reprimida' sobrecarregando sistema de saúde

 

Especialistas na área da saúde apontam para o risco de uma demanda reprimida de pacientes com doenças crônicas que estão com os tratamentos parados. São milhares de pessoas com pressão alta, diabetes e até câncer que estão em casa aguardando o fim da pandemia do novo coronavírus. O problema foi abordado na reunião ministerial do dia 22 de abril pelo ex-ministro da saúde Nelson Teich.

“Vamos botar em números hoje. Que a gente tenha 4 milhões de pessoas hoje com a Covid. O Brasil tem 212 milhões de pessoas. [Quer dizer que] tem 208 milhões que não estão tendo atenção necessária. Você tem câncer, cardiovascular e isso tudo tá represado. É demanda reprimida. Quando você controlar a Covid, o não-Covid vai chegar com tudo e você pode pegar uma estrutura sucateada. Então, a gente tem que estar preparado pra isso tudo. A gente tem que preparar para essa segunda fase que vai chegar também”, disse.

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Em outras palavras, a preocupação de Teich abordada na reunião ministerial é a seguinte: imagine se todos os pacientes crônicos do país, que hoje estão com os tratamentos parados, fossem de uma só vez procurar atendimento médico no fim da pandemia? Poderia novamente sobrecarregar o sistema de saúde.

“Os pacientes têm medo de vir ao hospital e contrair o vírus. Então as pessoas preferem ficar em casa e isso vai gerar uma demanda reprimida. Que num segundo momento vai vir ao hospital”, avalia o médico infectologista Guilherme Spaziani, que trabalha em um hospital particular da Zona Leste de São Paulo.

A CNN teve acesso à unidade, que está vazia. Os atendimentos para exames, consultas de rotina e cirurgias eletivas caíram cerca de 70%. Caminhando pela unidade vimos de perto a paralisação dos acompanhamentos de rotina e consultórios vazios. Mesma situação nas áreas de espera dos pacientes. Luzes apagadas em algumas salas e equipamentos totalmente desligados.

Hospital, cirurgias eletivas, coronavírus
Hospital particular da Zona Leste de São Paulo está vazio. Atendimentos para exames, consultas de rotina e cirurgias eletivas caíram cerca de 70%.
Foto: CNN Brasil

Segundo a Associação Nacional de Hospitais Privados (ANAHP), desde março as cirurgias eletivas em todo o país caíram mais de 50%, e a realização de exames de rotina 80%. Para Ary Ribeiro, médico cardiologista e editor do observatório ANAHP, a demanda reprimida é tão grave quanto a pandemia.

“O que que isso representa do ponto de vista geral? Representa um acúmulo, uma segunda onda perigosa de demanda para o sistema de saúde”, avalia.

A aposentada Alice Dias da Silva, de 79 anos, tem pressão alta, artrose e osteoporose. Ela faz acompanhamentos mensais com especialistas em cardiologia e reumatologia. Mas, as consultas dela, em um hospital público de São Paulo, foram desmarcadas por causa da Covid-19. Em casa e sem previsão de retorno, ela teme pelo pior. “Perdi familiares para essas doenças. Então, a gente fica preocupado, né”.

O filho dela, de 44 anos, também precisa de atendimento médico constante. Ele tinha uma consulta agendada com o psiquiatra em março, mas foi cancelada. “Por enquanto estou bem, mas a gente não sabe até quando o medicamento vai fazer efeito. Essa situação de quarentena mexe muito com os ânimos. Eu fico preocupado”, disse o assistente jurídico Luís Delcides Rodrigues da Silva.

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Para Ary Ribeiro, os procedimentos da dona Alice e do filho não deveriam ser interrompidos. Ele explica que, atualmente, há fluxos de organização dentro dos hospitais para evitar contaminações entre pacientes. O médico reforça que agora as autoridades precisam mudar a orientação dada no início da pandemia.

“Eu acho que no início isso foi uma medida correta. Agora, não. E é preciso então, também, mudar a orientação. É preciso que as próprias autoridades revejam e aí entra a questão regional. Entra a análise regional de como o sistema de saúde tanto público quanto privado estão em termos de demanda e sobrecarga naquela cidade, naquela região”.

Soluções

Para contornar o problema, o médico sanitarista e professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Adriano Massuda, especialista em gestão de saúde, avalia como fundamental o investimento nas equipes que vão presencialmente na casa das famílias. O serviço cobre mais de 60% da população brasileira, e na visão dele é essencial para diagnosticar doenças com mais antecedência.

Outra medida é uma atuação conjunta do sistema de saúde, a exemplo do que foi feito em outros países. “Tem países como a Irlanda, por exemplo, que requisitou todos os hospitais privados para dentro do sistema público e organizou conforme a necessidade. Outros países fizeram algo parecido, como Itália e Espanha”.

Adriano alerta que a situação pode ficar ainda pior, caso nada seja feito para conter uma segunda onda de pacientes indo aos hospitais pós-pandemia.

“O que eu acho é que no Brasil a gente não vai ter uma segunda onda como o ex-ministro Teich esperava. Eu acho que vai ser um pouco mais complexo. Eu acho que vai ser essa segunda onda vindo junto com uma epidemia de difícil controle. Porque as medidas que estão sendo tomadas para o controle da epidemia estão se demonstrando bastante frágeis”.

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