Falta de kit intubação preocupa médicos, que recorrem até a clínica veterinária

Médicos relatam uma sensação desesperadora de perder pacientes ou de estarem próximos disso

A realidade crítica nas UTIs (Unidade de Terapia Intensiva) com pacientes graves da Covid-19, internados nos hospitais do estado de São Paulo, está sendo agravada pela falta de kit de intubação. Médicos relatam uma sensação desesperadora de perder pacientes ou de estarem próximos disso, por conta da falta de bloqueadores neuromusculares, sedativos e anestésicos disponíveis.

Em um áudio que circula nas redes sociais e confirmado pela CNN, um médico intensivista de Lençóis Paulista, no interior de São Paulo, revela que há pessoas morrendo no respirador e outros pacientes que necessitam de intubação urgente não estão recebendo o procedimento. Ele diz ainda que teve que recorrer a uma clínica veterinária para conseguir um medicamento sedativo. 

“Nas últimas 12 horas, nos perdemos dois pacientes, um de 41 e um de 47 anos, por falta de bloqueador neuromuscular. Acabou os nossos rocurônios da vida aqui. E acabou tudo que poderia ter aqui. O cisatracúrio acabou. Nós usamos uma média de 500 ampolas de cisatracúrio por dia, 320 ampolas de 10 ml de midazolan. Pegamos o Midazolan que tinham na clínicas veterinárias da cidade”, diz. 

Procurada pela reportagem, a Prefeitura de Lençóis Paulista informa que conseguiu o empréstimo de sedativos junto a municípios da região, reabastecendo parcialmente os estoques. E em relação aos relaxantes musculares, dinzem que ainda há uma busca para a reposição dos estoque que, por enquanto, contam apenas com os medicamentos fornecidos, no domingo, pelo Hospital das Clínicas de Botucatu. No momento, o Hospital Piedade tem 19 pessoas internadas na UTI e 38 pacientes na enfermaria.

Na manhã desta terça-feira (30), o prefeito de Lençóis Paulista, Anderson Prado (DEM), a prefeita de Bauru, Suéllen Rosim (Patriota) e o prefeito de Jaú, Ivan Cassaro (PSD), ambos dos interior do estado de São Paulo, foram a Brasília para tentar reverter a situação crítica em uma reunião marcada com representante do Ministério da Saúde.

Situação na capital

Em entrevista à CNN, um médico intensivista, que pediu para ter a sua identidade preservada, relata a situação desesperadora que ele e outros colegas estão passando, em um grande hospital privado da zona sul de São Paulo. 

“Nós fizemos um levantamento aqui. Nós temos medicamentos, que são os bloqueadores neuromusculares para mais 48 horas e sedativos para mais 72 a 96 horas. Nós temos 120 pacientes internados com Covid-19 e em torno de 50 pacientes intubados. Se acabar o sedativo, o paciente vai acordar com um tubo na traquéia. Eles correm muito risco de morte. Tem fisioterapeuta chorando aqui no corredor agora.”, diz 

O médico explica que o paciente precisa do bloqueador para que ele fique melhor acoplado na ventilação mecânica e sem isso, ele ventila mal e ai começa a levar a hipóxia, que é a falta de oxigênio no sangue, que resultará em morte.

“É uma situação desesperadora olhar um paciente e saber que ele pode morrer por isso. Eu estou hipertenso de tanto que eu e a equipe estamos procurando medicamentos. Estamos tentando contato direto com os laboratórios. São 800 ampolas por dia de neuromuscular. A gente tem que estar sempre comprando e quando conseguimos receber, dura metade do dia”, revela. 

A situação se repete em, pelo menos, outro hospital da capital paulista. Um comunicado de ontem (29), o Hospital Oswaldo Cruz comunica o corpo clínico sobre a indisponibilidade temporária de medicamentos do kit intubação. No documento, é solicitada uma colaboração para o uso racional de medicamentos e é explicado que a equipe de suprimentos tem se antecipado em buscar alternativas para garantir a assistência aos pacientes. 

Por meio de nota enviada à CNN, o Hospital Oswaldo Cruz informou que não enfrenta neste momento falta de anestésicos, bloqueadores ou sedativos usados nos procedimentos de intubação de pacientes de Covid-19. Ainda segunda a nota, o hospital tem disponibilidade de tais medicações e não há comprometimento do atendimento aos pacientes internados.

Apesar disso, o Hospital Oswaldo Cruz afirma que dada a dificuldade de reposição de estoques, enfrentada por todo o sistema de saúde, a Instituição faz acompanhamento diário detalhado da disponibilidade e compartilha as informações com as equipes médicas e assistenciais para reforçar o uso racional dos insumos, destacando aqueles de maior criticidade para aquisição no
mercado.

Por fim, a nota diz que com a recente autorização do Ministério da Saúde para importação, o Hospital já realizou compras no exterior para garantir sua linha de suprimentos, não havendo ocorrência de desabastecimento na Instituição neste momento.

Poder público

Nesta segunda-feira (29), o Governo do estado de São Paulo disse, que após constantes cobranças da Secretaria de Estado da Saúde por medidas urgentes ao Ministério da Saúde para auxílio no fornecimento de medicamentos para intubação, o Governo Federal liberou para o Estado de São Paulo somente 65.770 ampolas de neurobloqueadores e anestésicos. 

“O que corresponde a apenas 1,9% do que é preciso para atender a demanda mensal da rede pública de saúde de SP, de 3,5 milhões de ampolas. Essa quantidade equivale à necessidade para consumo por cerca de 12 horas na rede pública de saúde”, diz em nota.

Em resposta, o Ministério da Saúde esclarece estar em esforço contínuo para evitar o desabastecimento de medicamentos para intubação orotraqueal (IOT) no Brasil e que já garantiu mais de 2,8 milhões de unidades após diversos acordos fechados com indústrias farmacêuticas nos últimos dias. A ação reforça o compromisso do governo federal no apoio irrestrito aos gestores locais do Sistema Único de Saúde (SUS) para salvar vidas.

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