Leite faz bem? Depende da sua idade, saúde, sexo; e de quem financia os estudos
Após revisão recente de estudos, especialistas sugerem discutir com um médico o papel dos laticínios na dieta familiar


Talvez seja só uma bebida branca cremosa reconfortante que lembra a infância ou apenas outra alternativa a água, chá, refrigerante e café.
Seja qual for o motivo, cada vez mais, norte-americanos estão consumindo leite de vaca durante a pandemia do novo coronavírus.
As vendas da bebida somaram US$ 4,5 bilhões no período de 20 semanas encerrado em 18 de julho, um aumento de 11,7% em relação ao mesmo período do ano passado, segundo dados da Nielsen.
Empolgado, o setor de laticínios entrou na onda e relançou a icônica campanha publicitária “Got Milk?” (“Tem leite?”), que fez sucesso nos EUA nos anos 90.
Mas será que “ter leite” é uma boa para você? Quais são os prós e os contras, para a saúde, do consumo de laticínios dos tipos integral e com baixo teor de gordura (ou desnatado)? A resposta é complicada, geralmente dependendo de sua idade, sexo e estado de saúde.
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Ganho de peso e leite
Um estudo de revisão recente feito pelos nutricionistas de Harvard Walter Willett e David Ludwig, publicado no New England Journal of Medicine, analisou o papel do leite na saúde óssea, câncer, ganho de peso e risco cardiovascular. Estudos de revisão são aqueles que reúnem dados de várias pesquisas sobre o mesmo tema.
Quando se trata de ganho de peso, os resultados são mistos. “No geral, as descobertas de estudos de corte prospectivos e estudos randomizados não mostram efeitos claros da ingestão de leite no peso corporal de crianças ou adultos”, concluiu a revisão.
Claro, haveria benefícios em beber leite em países onde a desnutrição é um problema; portanto, a qualidade geral da dieta de uma pessoa é fundamental para fazer recomendações.
O Comitê Consultivo de Diretrizes Dietéticas de 2020 – um grupo de especialistas encarregado de fornecer recomendações com base na ciência ao Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos Estados Unidos e ao Departamento de Agricultura dos Estados Unidos – continua indicando opções de laticínios com baixo teor de gordura, exceto no primeiro ano de vida.
“Se a carne e os laticínios forem incluídos no padrão alimentar, é preferível escolher cortes magros e opções de laticínios com menos gordura”, aconselhou o comitê.

Leite e doenças
Para adultos, existem algumas associações negativas entre leite e saúde. Apesar de o leite ser recomendado para gerar “ossos fortes”, os países com maior ingestão de leite e cálcio têm as maiores taxas de fraturas de quadril, de acordo com a revisão do New England Journal of Medicine.
Os estudos também não mostraram nenhum benefício claro do cálcio na redução de fraturas ósseas.
Em relação ao câncer, a revisão descobriu que o alto consumo de alimentos lácteos foi associado a um risco aumentado de câncer de próstata e pode contribuir para o câncer de endométrio. Mas parece reduzir o risco de câncer colorretal.
Qualquer conexão entre diabetes ou doença cardiovascular e ingestão de leite não é clara. Segundo os especialistas, a questão é o que você ingere com a comida, seja leite ou não.
Por exemplo, a ingestão de produtos lácteos pode representar um risco menor de doenças cardiovasculares em comparação com a carne vermelha, mas um risco maior quando comparada às fontes vegetais de proteína.
No geral, a revisão concluiu que “o benefício para a saúde de uma alta ingestão de produtos lácteos não foi estabelecido e existem preocupações sobre os riscos de possíveis resultados adversos à saúde”, escreveram Willett e Ludwig.
“Portanto, o papel do consumo de laticínios na nutrição humana e na prevenção de doenças exige uma avaliação cuidadosa.”
As diretrizes nutricionais definitivas dos EUA para o período entre 2020 a 2025 para adultos e crianças serão lançadas no final do ano. Até lá, os especialistas sugerem que os pais discutam seu risco familiar individual com um médico para decidir sobre o papel dos laticínios na dieta da família.
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“Se você tem um histórico familiar muito forte de doença cardiovascular com ataques cardíacos e coisas assim, seria bom escolher um caminho dietético diferente e evitar laticínios integrais”, disse a endocrinologista pediátrica Tamara Hannon, membro do Comitê de Nutrição da Academia Americana de Pediatria (AAP), em uma entrevista anterior à CNN.
Crianças e leite
Quando se trata de bebês de 12 a 24 meses, os pais devem usar leite integral e laticínios integrais, de acordo com diretrizes atuais da American Heart Association, da AAP e de outras organizações importantes dos Estados Unidos. Austrália e o Reino Unido têm diretrizes semelhantes.
Então, se a criança estiver crescendo bem, os pais devem mudar para produtos lácteos com baixo teor de gordura (com leite desnatado ou semidesnatado) aos 2 anos para protegê-las do risco de obesidade e doenças cardiovasculares, de acordo com as diretrizes atuais dos Estados Unidos.
Já o Reino Unido não recomenda leite desnatado para crianças menores de 5 anos.
O medo da obesidade é real: no ano passado, um estudo da Organização Mundial de Obesidade previu que o número de crianças obesas em todo o mundo crescerá dos 150 milhões atuais para 250 milhões em 2030.
No entanto, a conexão entre produtos lácteos com gordura integral e ganho de peso, obesidade e o risco de doenças cardiovasculares em crianças foi recentemente questionada.
Um estudo publicado em março mostrou que produtos lácteos com gordura integral não foram associados ao ganho de peso, obesidade ou quaisquer medidas de risco de doença cardiovascular.
Ainda assim, outro, feito por pesquisadores canadenses, afirmou que crianças com idades entre 1 e 18 anos que consumiam leite integral tinham 39% menos probabilidade de serem obesas do que crianças que bebiam leite com baixo teor de gordura. Mas a causa e o efeito não são claros, pois o estudo foi apenas observacional.
Crianças que bebem leite integral podem se sentir mais saciadas, ou então pode haver a chance de os pais que bebem leite com baixo teor de gordura terem filhos maiores, uma justificativa conhecida como “causalidade reversa”, como explicou o autor do estudo, Jonathon Maguire, professor de pediatria da Universidade de Toronto, em uma entrevista à CNN.
Maguire e sua equipe realizarão um estudo randomizado controlado com 500 crianças menores de 5 anos durante um período de dois anos para ver mais diretamente se o teor de gordura do leite que bebem é um fator chave para determinar seu peso.
Os pesquisadores levarão em conta os hábitos de lanche das crianças, seus pesos iniciais e outros fatores que podem afetar o peso.
Para o professor, é importante que “entendamos os efeitos sobre a saúde do que fazemos com nossos filhos. Os pais estão tomando essas decisões no dia-a-dia” e precisam de evidências.
Falta um veredito
Outra variável confusa sobre a pesquisa de laticínios é a qualidade dos estudos já feitos. Por exemplo, há pesquisas que receberam doações da indústria de laticínios.
Embora isso não negue necessariamente as descobertas, a premissa não é boa. Há pesquisas demonstrando que quando um setor patrocina a pesquisa, boa parte dos resultados é favorável ao produto.
Muitos dos estudos sobre leite e laticínios são estudos “observacionais”, ou seja, um tipo de pesquisa que só pode encontrar uma associação entre dois resultados; não pode estabelecer causa e efeito. Ensaios clínicos randomizados (o padrão ouro da ciência) são caros e difíceis de fazer em nutrição.
Em um estudo de revisão revelado em março sobre a relação entre leite integral e crianças, por exemplo, apenas duas das pesquisas presentes tinham base mais científica, mas mesmo esses resultados eram questionáveis.
Em uma delas, pesquisadores pediram a crianças mexicanas que mudassem de laticínios integrais para laticínios com baixo teor de gordura e descobriram que não havia diferença em seu peso no final do estudo.
“Mas isso era porque eles estavam comendo mais tortilhas junto com o leite com teor de gordura reduzido, então eles estavam recebendo o mesmo número de calorias”, explicou Hannon, que não participou do estudo.
Por outro lado, “o leite integral pode levar a maior saciedade e, portanto, porções menores e ingestão de calorias semelhante”, completou Christopher Gardner, professor de medicina que dirige estudos de nutrição no Centro de Pesquisa de Prevenção de Stanford.
“Acho que as maiores questões são: será que algum tipo de leite (integral ou desnatado) é ‘bom’ para você? E o que você beberia em vez de leite?”, questionou Gardner, que não tem conexão com o estudo. “Se for leite versus refrigerante, eu escolho leite. Se for leite versus água, escolho água.”
Alicia Wallace e Meera Senthilingam, da CNN, contribuíram para esta reportagem.
(Texto traduzido, clique aqui para ler o original em inglês).